Luiz Flávio
O açaí é um dos frutos amazônicos mais procurados e consumidos no país e o Estado do Pará é o maior produtor nacional e mundial do fruto da palmeira, tendo dobrado sua produção nos últimos 10 anos, além de ser o maior exportador brasileiro, seguido do Amazonas.
Além do “in natura”, a polpa é vendida congelada para fabricação para sucos; geleias, como hidratantes para pele e shampoos para o cabelo, como energético, suplementos e vitaminas; pó de açaí, dentre outros.
Mas uma forma vem ganhando espaço no mercado consumidor nos últimos anos: o “café de açaí”, bebida feita a partir da infusão dos grãos torrados e moídos, sem a polpa. Tem um sabor semelhante ao café, contudo sem a presença da cafeína. O seu consumo tem sido associado ao controle da glicemia, do colesterol e da hipertensão.
A ideia de criar um café de açaí é antiga. Segundo relatos, batedores de açaí que usavam o açaí como fonte de alimento, motivados pela falta de dinheiro e distância de um mercado de venda de café, resolveram utilizar o tacho de farinha para fazer um café a partir do caroço de açaí. Então a partir dessa adaptação começou a surgir a ideia do café de açaí.
A pesquisa surgiu a partir de uma demanda proveniente da Associação Brasileira da Indústrias Produtoras do café de açaí (ABICA) e produtores, junto ao governo estadual e universidades (UFPA, UEPA e UFRA). No ano de 2022, a partir de um memorando circular da Vigilância Sanitária, vinculada à Secretaria de Estado de Saúde do Pará, foram suspensas a atividades de venda e comercialização do café de açaí.
“Por se tratar de um produto novo no mercado sem procedência anterior, foi criado então um Grupo de trabalho vinculando universidades, Adepará, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ministério da Agricultura e outras entidades governamentais para se criar um padrão de Identidade e qualidade deste novo produto”, conta Nilton Akio Muto, professor e pesquisador da UFPA, biomédico com Doutorado pela Universidade de Hokkaido, no Japão;
Ele diz que a pesquisa está bem adiantada, com a equipe em constante tratativas com as entidades governamentais, assim como os produtores e a equipe técnica. “Acreditamos que assim que forem publicadas as portarias e termos de compromissos com os produtores, logo poderemos ver o produto nas prateleiras. Mas não com o nome especificamente de ‘café’. Pois o produto não é proveniente do cafeeiro, o que poderia implicar em confusão ao consumidor e transgressão da normativa de produtos à base de café”, ressalta.
Além de Belém, existem vários municípios paraenses próximos aos municípios produtores de açaí que estão aguardando a regulamentação para começar a produzir e comercializar o produto, como Altamira, Castanhal, Itupiranga, Ananindeua, Pacajá, Parauapebas e outros. Os produtores são variados e vão desde pequenos produtores do tipo artesanal, até produtores de grande porte do tipo Industrial.
PROCESSO
O “café de açaí” é obtido a partir do despolpamento do fruto, seguido de um processamento de secagem, torrefação e moagem do caroço. “A produção contribui na redução dos caroços de açaí e, acima disso, contribui na agregação de valor, na sustentabilidade, e na Bioeconomia de um rejeito pouco valorado, que é considerado um dos principais gargalos da cadeia produtiva do açaí”, observa Nilton, Lotado no Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (CVACBA). O caroço do açaí é um subproduto da cadeia do açaí, representando 85% da composição do fruto – os outros 15% são polpa de fruto.
Por se tratar de um produto novo, o pesquisador acredita que ainda há o que se melhorar para atender um público exigente, tanto interna como externamente. “É preciso investir na cadeia produtiva, nos métodos de fabricação e na reciprocidade ao consumidor. Os benefícios ainda estão em estudo. Nesta etapa do projeto, nossa maior preocupação foi a da identificação das boas práticas de fabricação, da padronização, caracterização e da inocuidade ou não toxicidade do produto, para garantir o consumo seguro sem prejuízo aos consumidores e produtores”.
Produtores e pesquisadores buscam regulamentação
Orlando Nascimento da Silva se tornou produtor de café de açaí em Pacajá e preside a ABICA. Ele lembra que completam dois anos que a Vigilância Sanitária Estadual determinou a fechamento de 54 fábricas de café do Estado que produziam mais de 50 toneladas por mês do produto, sendo que 70% da produção era exportada para vários estados e para o exterior. Falta regulamentação.
O custo para produção do produto é baixo, e Orlando aponta como maior vantagem o fato de que os produtores não pagarem pela matéria-prima (caroço sem a polpa) recolhido das batedeiras, além de impulsionar a Bioeconomia, reduzindo a quantidade de caroços no meio ambiente.
Mês passado a comercialização do café de açaí no Pará foi debatida na sede da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), através da apresentação dos relatórios de inspeção digital. Os estudos foram entregues a equipe da área de Inspeção Vegetal da agência. O principal objetivo traçado pelos produtores e pesquisadores é regulamentar a atividade.
“Foi um momento histórico para a nossa associação. O relatório mostrou a eficácia: nada de contaminação, nada que faça mal ao ser humano. A Adepará é fundamental, pois é quem vai regulamentar e que vai dar o padrão para que podemos trabalhar legalizados e com segurança”, comemorou Orlando.
Além dos pesquisadores, o fiscal estadual agropecuário José Severino Souza Silva, da Gerência de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, da Adepará, mostrou as etapas para a regulamentação e aquisição do registro. Por se tratar de um produto artesanal regional, necessitará de um selo de inspeção vegetal que é emitido pela Adepará e permite a comercialização do produto.
“As empresas precisam se adequar às nossas leis e regulamentos, que estabelecem como o produto vai ser feito, quais as condições sanitárias exigidas, instalações, máquinas, equipamentos, tudo que tem que ser feito para um produto sair para uma rotulagem com segurança alimentar e possa circular em todo o Estado”, explicou José Severino.
Severino explicou ainda que depois do padrão estabelecido pelo Estado, o produto pode ir para apreciação de outros órgãos fiscalizadores e, quem sabe, conseguir uma autorização para ser comercializado em todo país.