Pará

Cães vira-latas: Eles não têm raça, mas são cheios de amor para dar

Jacirema Miranda, 45 anos, nutricionista e pet chef e seu pet Xodó. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.
Jacirema Miranda, 45 anos, nutricionista e pet chef e seu pet Xodó. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Desde o primeiro olhar trocado entre a Jacirema Miranda, 45 anos, e o cãozinho que viria a receber o nome de Xodó, a conexão foi imediata. Ainda filhotinho, Xodó se encolhia em uma valeta na Feira da 25 de setembro, em Belém, quando a nutricionista e pet chef o avistou e, sem pensar duas vezes, levou o companheiro para casa. No mês em que se comemora o Dia Nacional do Vira-Lata, a data chama a atenção para que, assim como Xodó, outros animais sem raça definida (SRD) tenham a mesma oportunidade de encontrar acolhimento em uma família.

Quem vê Xodó caminhando, calmamente, ao lado de Jacirema não imagina que aquele cão caramelo de grande porte já foi um filhotinho. Mas a tutora lembra bem do quão pequeno era o amigo de quatro patas quando o primeiro contato entre eles se concretizou. “Ele estava em uma vala, iam pisando nele sem querer e foi uma gritaria. Quando eu olhei para aquela confusão, era ele, mas ele era muito pequeno, os dentinhos ainda nem tinham rompido”, recorda. “Quando ele me olhou eu disse ‘ele vai ser meu’. Eu coloquei ele no meu colo e eu ficava repetindo ‘é meu, é meu’, a minha mãe dizia que não. Mas, enfim, nós levamos ele para casa e comecei a cuidar dele”.

Dia Nacional do vira-lata, animais que também são conhecidos como SRD (sem raça definida). A data tem o objetivo de promover a adoção responsável desses animais que ainda sofrem com o abandono. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Uma vez na nova casa, o cãozinho passou a vivenciar uma realidade nunca experimentada. Para que a saúde esteja sempre em dia, Xodó tem plano de saúde, comida e água, sua própria caminha – apesar de preferir dormir na cama da tutora -, um cesto de brinquedos, festa de aniversário e, o mais importante, amor. Responsável por todo esse cuidado, Jacirema sabe que, infelizmente, nem todos os animais SRD têm a oportunidade de usufruir desse carinho e considera que ainda há muito preconceito contra os animais conhecidos popularmente com vira-latas.

“Eu defendo o cachorro sem raça definida porque eles são mais vulneráveis, eles não têm as mesmas chances”, considera a nutricionista, que também é tutora de uma cachorrinha da raça Yorkshire terrier. “Se passa um cachorro de raça perdido aqui na rua, todo mundo vai pegar, mas se passa um vira-lata, ninguém liga. Eu tenho uma yorkshire terrier adotada e quando estão os dois juntos é notória a discriminação. Todo mundo vai em cima dela porque é de raça, então, ainda se vê muito isso”.

Além da própria questão da raça, Jaci considera que o porte dos animais sem raça definida são outro dificultador para que eles sejam adotados. Voluntária do abrigo Au Family, ela conta que lá tem pelo menos dois cães do tamanho do Xodó, que é de porte grande, e ela vê a dificuldade que eles enfrentam para serem adotados. “Quando o cachorro é do tamanho do Xodó é mais difícil adotarem. Tem dois no abrigo que são do tamanho dele que já estão ficando idosos e não têm chance de serem adotados porque ninguém quer. Eles ficam lá e contam com o amor e o carinho só mesmo dos voluntários e de quem trabalha lá, mas não é como ter a sua família”, conta. “Muita gente alega a questão do custo, que eles não cabem em apartamento, mas eu moro em apartamento e o Xodó ficou de grande porte e eu nunca pensei em dar ele”.

Como uma forma de driblar o preconceito e conscientizar sobre o quão companheiros são os animais sem raça definida, Jacirema criou um perfil nas redes sociais para Xodó, que se tornou um cão influenciador com 21,3 mil seguidores e contrato com uma grande rede de pet shop. Com o valor recebido pela atividade, a tutora consegue amenizar os gastos com os cuidados de saúde que Xodó precisa, já que ele é um cão com hipotireoidismo.

Além disso, o cãozinho caramelo acumula vitórias em concursos de fantasia pet. “Um dia eu estava passeando com o Xodó no shopping e uma senhora veio até mim e disse que não queria que ele encostasse na cachorra dela porque a cachorra dela era de raça e ela não gostava de vira-lata. Me atacou uma raiva porque eu não sabia que existia esse negócio de raça, para mim cachorro era tudo cachorro. Depois desse dia eu jurei que ele ia participar dos concursos pets e iria ganhar e, desde então, ele nunca perdeu”, lembra a tutora.

“Eu levanto a bandeira de adoção do vira-lata porque hoje em dia muita gente fala em ajudar e fazer campanha para os vira-latas, mas não querem um vira-lata em casa. Para quem quer adotar, o vira-lata é fiel até a hora da morte dele, ele cabe em todo espaço, ele se aconchega, então, não existe isso de que ele não cabe em apartamento, ele cabe sim, e ele vai te dar e receber amor. Então, se a pessoa está disposta a essa via de mão dupla, ela só vai ganhar”.

Quem sempre esteve aberta a vivenciar essa via de mão dupla é a dona Maria Rosário Pontes Paixão. Ao longo de sua vida ela sempre teve animais em casa e hoje, aos 75 anos, é tutora de dois gatos e de uma cachorrinha, todos adotados. “A Fiona, que é a cadelinha, eu adotei da vizinha. Teve um tempo que encheu o canal e ela estava no molhado, aí eu pedi para a vizinha para eu adotar ela. O Baloteli eu também adotei de uma vizinha aqui da frente e o Frisa que eu adotei numa feira de adoção”, conta. “É maravilhoso ter a companhia deles. A Fiona é minha companheira de sempre, minha amiga, está sempre comigo. O Frisa, quando toca o telefone já vem aqui pra perto, ele é muito curioso. Eu amo eles como se fossem meus filhos mesmo, a Fiona então é filha e amiga, dorme comigo”.

Maria do Rosário com a cachorrinha Fione a o gato Balotelli FOTO: reprodução

Com toda essa companhia dentro de casa, Maria Rosário não tem dúvidas de que os vira-latas são os melhores companheiros para quem deseja adotar um animal. “Eu não troco a minha Fiona por cachorro de raça nenhuma. Ela é muito inteligente, ela avisa quando vem chuva, ela corre. Vale a pena adotar um vira-lata porque eles são a melhor coisa que tem. Eles têm que tomar as vacinas, como todos eles, mas não é um animal que fica doente fácil”.

Além da vacinação em dia, ela conta que não descuida da saúde dos bichinhos. O veterinário deles vai em casa sempre que necessário para verificar como estão. Um cuidado que é retribuído sempre com um amor que só cresce a cada ano de convívio. “A Fiona está com 4 anos, eu peguei ela com 4 meses. O Frisa é o mais doentinho, às vezes ele tem problema urinário, mas tem o veterinário que vem aqui e cuida dele. O outro é o negão, como eu chamo ele, o mais velho, tem 9 anos. Eles são a alegria da casa, eles são a minha alegria”.