HISTÓRIA

Brigada militar paraense participou da Guerra de Canudos

Soldados paraenses foram decisivos na vitória contra os camponeses da Bahia, em uma missão que teve apoio popular no início e depois foi criticada. Saiba mais como se deu esse fato histórico. FOTO: FLÁVIO BARROS

Soldados paraenses foram decisivos na vitória contra os camponeses da Bahia, em uma missão que

teve apoio popular no início e depois foi criticada. Saiba mais como se deu esse fato histórico
Soldados paraenses foram decisivos na vitória contra os camponeses da Bahia, em uma missão que teve apoio popular no início e depois foi criticada. Saiba mais como se deu esse fato histórico

As referências presentes em nome de bairro e ruas, além de monumentos, dizem respeito a um fato histórico que marcou a atuação de tropas paraenses naquela que foi a primeira guerra registrada fotograficamente em território brasileiro: a Guerra de Canudos. Nos idos de 1897, no período conhecido como a Primeira República, a então Brigada Militar do Estado do Pará seguiu rumo ao sertão baiano para reforçar o efetivo do Exército Brasileiro e teve participação decisiva no confronto.

Quando a brigada paraense foi oferecida para atuar, a batalha já se desenvolvia em um povoado conhecido como Canudos, na localidade de Belo Monte, no nordeste do Estado da Bahia. O conflito era entre o Exército Brasileiro e milhares de sertanejos pobres que viviam nessa comunidade autossuficiente fundada por um dentre tantos pregadores leigos que circulavam pelo sertão baiano à época, Antônio Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro.

A comunidade de Canudos cresceu significativamente e não demorou muito para que a atuação de Conselheiro e da comunidade chamasse a atenção não apenas da Igreja Católica, mas também da Primeira República e de grandes proprietários de terras. Assim, o Exército Brasileiro enviou expedições para desmontar o arraial de Canudos. A primeira e a segunda investida foram derrotadas pelos conselheiristas que resistiam.

Já na terceira expedição, o então governador do Pará, Paes de Carvalho, ofereceu a Brigada Militar do Estado do Pará para unir forças ao Exército no combate contra os seguidores de Antônio Conselheiro, porém, a oferta foi recusada pelo Governo Federal e, mais uma vez, a expedição foi derrotada pelos sertanejos. Logo se preparou uma quarta Expedição e, essa sim, aceitou a participação de tropas paraenses e amazonenses.

Docente da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará (UFPA), o professor William Gaia Farias explica que a decisão de oferecer a participação de homens do então Regimento Militar de Polícia do Pará foi definida pela Assembleia Legislativa e o deslocamento da tropa do Pará rumo ao sertão baiano foi marcado por uma série de eventos, discursos, cerimônias de despedidas e até mesmo anúncio no jornal. “O envio da Brigada Militar do Pará para Canudos ocorreu após a decisão da Assembleia Legislativa em atender à solicitação do Governador do Pará, José Paes de Carvalho. Na ocasião, já havia ocorrido três expedições do Exército Brasileiro contra os conselheiristas, sendo todas derrotadas. Então, o governo paraense, alegando que a República estava em perigo, resolveu apoiar o Exército Brasileiro e a PM da Bahia”.

O historiador lembra que, logo de início, a participação da brigada paraense contou com a aprovação social. O embarque da tropa foi antecedido por uma cerimônia oficial realizada no antigo Largo da Pólvora, como era chamado o local onde hoje se encontra a Praça da República, e contou com a participação do então governador e vice-governador do Estado, além de outras autoridades e até mesmo bandas de música.

De acordo com registro feito por Orlando L. M. de Moraes Rego no livro “A Brigada Policial do Pará na Campanha de Canudos”, cuja edição de 1965 integra o acervo de obras raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, a tropa ainda desfilou por várias ruas do entorno antes de chegar ao cais do porto, onde embarcou.

Entre desertores e feridos, a brigada paraense teve papel importante no fim da Guerra, da qual o Exército Brasileiro saiu vitorioso. No meio do combate, o então comandante da tropa paraense, Coronel Sotero de Menezes, ficou ferido e o tenente-coronel Antônio Dias da Fontoura assumiu a tropa na incursão bem-sucedida. A atuação de Fontoura à frente da tropa, inclusive, rende homenagens até os dias de hoje.

“A participação da polícia paraense na Guerra de Canudos, rendeu muitas homenagens, até porque a Brigada Militar do Pará esteve na linha de frente na batalha de 25 de setembro, (antigo nome da avenida Rômulo Maiorana), quando da tomada do pico mais importante do Belo Monte na estratégia usada para a conquista de Canudos”, explica o professor William Gaia Farias. “À frente da tropa paraense esteve o coronel Antônio Fontoura que acabara de assumir o comando após o comandante Sotero de Menezes ser alvejado e retirado de combate. O coronel Fontoura recebeu homenagem de herói e tornou-se patrono da Polícia Militar do Estado do Pará, exaltado até hoje, juntamente com a campanha de Canudos, na letra do hino da PMPA”.

Além da homenagem com o nome da antiga rua 25 de setembro, que até dezembro de 1897 era chamada de Rua Conde D’Eu (hoje renomeada como avenida Rômulo Maiorana), também o bairro de Canudos faz referência à atuação paraense na guerra do sertão baiano. No Cemitério de Santa Izabel, em Belém, ainda hoje é possível ver um monumento com os dizeres “Homenagem da Polícia Militar do Pará a Memória dos Heróis de Canudos, 25 de set 1987”.

De início, o professor William Gaia Farias explica que a atuação da tropa paraense em Canudos foi recebida com celebração, porém, com o tempo, a própria atuação do Exército Brasileiro foi alvo de duras críticas. “Atualmente prevalece na historiografia a interpretação de que, ao contrário do que pregava os discursos republicanos, Canudos não representava nenhum perigo de restauração monárquica. Os conselheiristas estavam exercendo suas liberdades religiosas, princípio defendido pelos republicanos. Neste caso, a República laica acabou sendo intolerante quanto à religião, elitista e oligárquica, pois agiu em apoio aos homens de poder, chamados de coronéis e contra as liberdades camponesas”, contextualiza.

“A Guerra de Canudos, no entanto, assumiu significado de protagonismo camponês servindo de inspiração para as ligas camponesas que foram organizações de trabalhadores rurais na luta pela terra em meados do século XX. Portanto, um dos legados de Canudos foi a experiência de organização e exemplo de luta social dos trabalhadores rurais”.

No caso do Estado do Pará, o professor pontua, ainda, que a participação da tropa paraense ainda é alvo de homenagens em decorrência da atuação estratégica empregada sob o comando de Fontoura. “No Pará isso se tornou um elemento de exaltação, visto que a Polícia Militar teve uma presença marcante na conquista do pico, que foi um ponto estratégico para a vitória legalista sobre os conselheiristas. Enquanto a maioria das Polícias Militares pelo Brasil afora têm Tiradentes como Patrono, a PM do Pará tem Tiradentes e Fontoura. Então, Fontoura é um marco para a memória da instituição e a Guerra de Canudos também”.