Cerca de 12 botos da região de Mocajuba, no Pará, devem passar por avaliação de pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) a partir deste sábado (20). O município é conhecido pela presença dos animais na área do mercado de peixes, o que se tornou um dos atrativos turísticos para quem visita a região.
Com o mês das férias escolares e do “verão amazônico”, a interação entre botos e visitantes se intensifica, e esse é um dos motivos que levam os pesquisadores ao local nesse período. A equipe, formada por professores e alunos da pós-graduação, monitora os botos da região desde 2023, a partir do projeto “Parâmetros fisiológicos e análise de risco para patógenos zoonóficos em botos-do-Araguaia (Inia araguaiaensis) sob impactos ambientais no contexto One Health”.
Botos são monitorados pelo projeto desde 2023. Período de veraneio intensifica interação entre os animais e os turistas, motivo da visita dos pesquisadores. Foto: arquivo do projeto
“Iremos avaliar a interação com os botos como possível indicador de impactos para saúde humana e dos animais, já que o tema principal da pesquisa está dentro do Contexto da Saúde Única”, explica a pesquisadora Angélica Rodrigues, bióloga do BioMA, grupo de pesquisa que atua no projeto.
No estudo é realizado um mapeamento da saúde dos animais, desde aspectos fisiológicos, até vocalização e biologia. Os pesquisadores fazem a avaliação da saúde dos animais, coleta de sangue, borrifo e ultrassom. O foco são os botos-do-Araguaia, ou Inia araguaiaensis, espécie catalogada em 2014 por cientistas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Os botos dessa espécie habitam a bacia Araguaia-Tocantins, que abrange os estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, além do Distrito Federal. No Pará, o pólo reúne 45 municípios, entre eles Mocajuba. A espécie se soma às já conhecidas nos rios amazônicos: Inia geoffrensis e Inia boliviensis, além da Sotalia fluviatilis.
Todo o estudo é feito com os animais em ambiente natural. As técnicas de manejo para que isso ocorra de forma eficaz e com menos stress ao animal também são alvo da pesquisa. “Estudos in situ [na natureza] sempre contribuem bastante para a conservação, pois são menos abundantes do que os realizados em cativeiro [ex situ]. Assim, o conhecimento gerado pode fornecer informações inéditas para espécie”, explica o professor Frederico Ozanan, coordenador da pesquisa.
Segundo o professor, pesquisas sobre o bem estar são fundamentais para a conservação de animais em vida livre, pois ajudam a entender sobre aspectos importantes do comportamento da espécie em seu ambiente natural. “Isso nos dá subsídios para manejar melhor a espécie, proporcionando resultados mais claros de como deve ser a interação animal-homem”, diz.
O projeto também conta com a parceria dos professores Abelardo Júnior, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Rinaldo Mota, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que analisam os potenciais agentes zoonóticos. Agentes zoonóticos são aqueles que podem afetar a saúde dos botos a partir do contato com o homem, e vice-versa. Para isso os pesquisadores vão realizar diversos tipos de coleta, que incluem amostras de água, pele dos botos e fezes, além de testes de PCR em tempo real para identificação dos tipos de vírus e bactérias com esse potencial.
Espécie vulnerável
Apesar do registro científico recente, a espécie já é considerada “vulnerável” e já integra a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. De acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), “vulnerável” é quando uma espécie tem um risco elevado de extinção na natureza, exceto se as circunstâncias que ameaçam a sua sobrevivência e reprodução melhorem.
No caso dos botos, a vulnerabilidade é causada principalmente pelas interações negativas com atividades pesqueiras e pela perda ou destruição de habitat. Mas há uma outra questão preocupante. O animal é cercado pelo imaginário popular, o que inclui as histórias sobre o homem charmoso, vestido de branco, que aparece para seduzir moças ribeirinhas e depois se transforma em boto, causando medo e a ira dos ribeirinhos. Na Amazônia, os botos também são alvo do comércio de subprodutos místicos. “A mística que paira no universo das lendas ainda influencia muito, ainda tem muita demanda pela compra de produtos. Tanto na capital quanto no interior do estado é possível encontrar venda de pele, unguentos pra fins medicinais, amuletos. São produtos que não ficam tão à mostra, para evitar fiscalização, mas ainda existe muita procura. Os botos sempre estão ameaçados”, diz a pesquisadora Angélica Rodrigues.
Mas segundo a pesquisadora Angélica Rodrigues, em Mocajuba a relação é bem diferente da maioria das comunidades onde esses animais ocorrem. “No caso de Mocajuba são os botos que atraem o turismo e ajudam os pescadores nos paredões de pesca”, revela.
A preservação desses animais impacta diretamente no equilíbrio do meio ambiente. “Eles tem um papel importantíssimo na natureza, porque são sentinelas ambientais, a partir deles conseguimos mapear a saúde de um rio. São animais topos de cadeia, importantes para o equilíbrio da cadeia trófica do rios, além disso são sentinelas importantes apontado as fragilidades dos ecossistemas fluviais”, diz a pesquisadora.
O grupo Bioma
O projeto foi contemplado com o primeiro lugar no edital da Iniciativa Amazônia +10 , em 2023. Mas a saúde dos botos da região é monitorada pelo grupo Bioma desde 2013, período em que já foram registrados os nascimentos de oito filhotes. O grupo tem como estudo as espécies de golfinhos de rios e peixe boi, a interação deles na natureza, papel ecológico e interação com humanos. As pesquisas são realizadas no rio Guamá, Tocantins e Tapajós e também na zona costeira paraense.
Em caso de encalhe ou outros tipos de ocorrências com relação a esses animais, a população pode entrar em contato com o grupo pelo whatsapp 91992503113 e [email protected]
Texto: Vanessa Monteiro (Ascom Ufra)