Pará

Bioeconomia: Empreendedores paraenses investem em biocosméticos da Amazônia

Belém, Pará, Brasil. Mauro Marinho, engenheiro químico, dono da marca Amazon Sports Cosméticos. 04/04/2024. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará
Belém, Pará, Brasil. Mauro Marinho, engenheiro químico, dono da marca Amazon Sports Cosméticos. 04/04/2024. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará

Fábio Nóvoa

Que o brasileiro é um povo vaidoso, ninguém tem dúvida. E o paraense não fica atrás. Por isso, um segmento de negócios tem crescido na nossa região, aproveitando as facilidades do mercado local: o de biocosméticos, que utiliza matéria prima da Amazônia para criar produtos da chamada linha “Clean Beauty”, ou seja, de beleza limpa, sem produtos químicos. E o potencial é tão grande, que muitos pequenos empreendedores estão criando marcas e tentam aproveitar o momento de discussões sobre pautas ambientais para se consolidar no gosto dos consumidores paraenses.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Pará, atualmente são 5.670 empresas trabalhando com o setor de biocosméticos nos 144 municípios do Pará. Desses, 4.287 são Microempreendedores Individuais (MEI), 1.086 são Microempresas (ME), 224 são Empresas de Pequeno Porte (EPP) e 73 são Médias e Grandes Empresas (MGE).

Para Rubens Magno, diretor-superintendente do Sebrae no Pará, há uma mudança no cenário consumidor. “Historicamente, o mercado consumidor local demonstrava uma preferência por produtos de fora da região. No entanto, observa-se uma mudança nesse cenário, impulsionada pelo aumento da presença de indústrias locais e maior conscientização sobre os benefícios dos produtos regionais”, garante. “O público consumidor está gradualmente reconhecendo as vantagens dos ativos provenientes da floresta amazônica, o que indica um potencial promissor para os biocosméticos locais”.

Entre 2018 e 2019, o Sebrae desenvolveu no Estado o projeto “Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos”. Atualmente, o Sebrae/PA atende empresas de insumos e produtos da cadeia produtiva de cosméticos nas agências regionais do Caeté, Tocantins, Carajás, Marajó, Capim e Metropolitana.

“Além de contribuir para a preservação da biodiversidade e a geração de renda e emprego para as comunidades locais, a valorização desses produtos reconhece e preserva o conhecimento tradicional e cultural das populações indígenas e tradicionais da Amazônia”, lembra Magno. “E promove estilos de vida mais sustentáveis e conscientes, incentivando o turismo sustentável na região e fortalecendo as economias locais”.

AÇAÍ

A engenheira de produção Ingrid Teles, 30 anos, criou a Ver-o-Fruto após a faculdade, como ela mesmo explica. “A Ver-o-Fruto é uma clean tech que trabalha a bioeconomia circular das sementes residuais do açaí, transformando em novos produtos, em matéria prima para utilizar em produtos”, garante. Matéria prima que é transformada em uma linha de cosmético, como sabonetes e esfoliantes. “Temos sabonete facial, para uso diário, além de esfoliante suave. Trabalhamos com com açaí, óleo de patauá e manteiga de muru muru, sementes muito em alta na a área de cosméticos, para extrair o óleo, que são usados para diversos fins”

Ela diz que estar na Amazônia é uma vitrine muito grande para os empreendedores locais. “Eu entrei no mercado de cuidados com a pele e depois fui para o clean beauty, sem componentes químicos. Tudo que a natureza oferece é uma forma dela cuidar da gente. Temos muitos insumos usados como regeneradores, cicatrizantes e anti-inflamatórios”, lembra.

Ingrid também desenvolve pesquisa para criar um sistema de água potável para populações ribeirinhas na Ilha do Combu. Aliás, a criação dos sabonetes veio dessa necessidade. Criados com os caroços transformados, a venda dos produtos ajuda a financiar o estudo dela, em um ciclo de produção criado a partir do insumo pesquisado. “Comecei sem recursos e tive de criar minha própria estratégia para garantir tanto o produto quanto a pesquisa”.

Para ajudar as comunidades que não podem arcar com o valor do sistema, a empresa realiza a venda de sabonetes faciais produzidos com a semente residual do açaí: a cada sabonete vendido, R$1 é destinado à construção de um sistema para comunidades vulneráveis.

Ela explica que a produção do sabonete é terceirizada, a partir de matéria-prima fornecida por parceiros dentro da Região Metropolitana de Belém, que compram direto das comunidades. Ingrid foi uma das empreendedoras assistidas pelo Sebrae que participou, em março, da Feira Internacional de Beleza, Cabelos e Estética Hair Brasil 2024, em São Paulo.

“Hoje, vendemos pela internet para o público final, mas nosso objetivo é vender em farmácias, esteticistas e salões de beleza. Estamos prospectando parcerias para colocar nossos produtos nas prateleiras ainda esse ano”. Mesmo assim, Ingrid já vende em lojas como a Flor de Jambu, em São Paulo.

TREMIDÃO

Já Tatiana Sinimbu, 46, largou a carreira em arquitetura, a partir de um “problema” criado por amigos de outros estados. “Desde 2016, as pessoas que conheço me pediam para mandar jambu para elas e como é perecível, comecei a pensar como resolver isso. Fui pesquisando e criei uma conserva para enviar”.

Daí a conserva de flor de jambu, vendida até hoje, fez sucesso entre os conhecidos. Que também, claro, não esqueciam da cachaça. “A minha cachaça, eu fiz diferente, pois coloquei cumaru”. Para quem não sabe, o cumaru é um tipo de “baunilha” da Amazônia, com gosto e cheiros peculiares, e que é ingrediente até de produtos importados, como o famoso perfume Channel nº 5.

E assim surgiu a empresa Jambu Sinimbu, em 2016, que Tatiana criou e mantém dentro do projeto Universitec, da Universidade Federal do Pará (UFPa), que dá suporte para empreendedores da região. “O meu diferencial é criar uma empresa feminina, amazônica, com o objetivo de fazer chegar ao mundo os produtos daqui”.

Mas o “carro-chefe” de produtos da Jambu Sinimbu é um produto ainda mais inusitado. Com as características do jambu na

cabeça, como a “dormência” característica, ela pensou: e que tal criar um estimulante sexual feito do produto? É isso mesmo: o “Tremidão” é um produto erótico com fórmula extraída da nossa planta que “faz tremer”, vendido desde 2018. Tatiana lembra que o “Tremidão” é um produto completamente natural. “É meio que meu slogan: Uma gota da Amazônia para uma experiência única. É sentir a sensação única da floresta”, reitera.

E o “Tremidão” também foi a tese do mestrado de Química Industrial de Tatiana na UFPa em 2022. “O jambu é muito rico. As pessoas comentam e dão o feedback do meu produto. Minha missão é tremer o mundo”, diverte-se. Ela se orgulha do fato de toda divulgação dos seus produtos ser completamente orgânica. “Já participei de programas de televisão com repercussão. E passei a vender em outros locais. Em São Paulo, meu produto está em lojas como a Flor de Jambu. E vendo também pela internet”, lembra.

Todo o insumo é comprado de produtores da Região Metropolitana de Belém. “Nós precisamos inovar e gerar renda para a economia local. Criar selos e identidades para que os produtos saiam daqui e voltem. Essa é a função da Bioeconomia para os negócios”, garante.

Agora, Tatiana é uma das empreendedoras de olho nos negócios que podem ser gerados na COP 30. “Estou fazendo pesquisas para fazer plantios controlados e investir em novos produtos. Pretendo, até o ano que vem, lançar mais produtos para quem vem para cá e também que mora aqui poder comprar e aproveitar”, completa.

ESPORTES

Já Mauro Marinho, 55 anos, tem outro público alvo definido. Skatista “das antigas” e um dos pioneiros do esporte no Estado, ele é engenheiro químico de formação. Em 2008, trabalhou para uma marca de cosméticos e gostou tanto da experiência que decidiu partir para um negócio próprio. Participou de capacitações no Sebrae, avaliou os mercados, fez contato com fornecedores e então surgiu a Amazon Sports, com a qual ele inicia 2024 pronto para desbravar mercados, querendo ter a preferência, principalmente, dos praticantes de atividades físicas.

Para isso, a Amazon Sports produz gel de massagem para machucados e dores, além de sabonetes esfoliantes. Os géis são feitos com arnica, copaíba e andiroba. Ou seja, aqueles ingredientes que nossos avós usavam e que hoje ganham fabricação industrial. O negócio ainda está no início, com produção terceirizada e distribuição iniciada neste mês de fevereiro de 2024. “Tenho participado de feiras pelo Brasil, além de negociar com federações para oferecer os produtos em eventos esportivos. São produtos únicos que estamos oferecendo no mercado”, garante.

Na previsão de Mauro, a Amazon Sports deve ganhar também ceras para depilação e protetores solares. Cada produto lançado passa por um processo de legalização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que pode durar meses. “Eu crio a fórmula e tercerizo a produção e a embalagem, e faço a distribuição do produto”, diz.

Mauro lembra que está em contato com farmácias e empresas exportadoras para fazer os géis e sabonetes chegarem a outros mercados. “Também devo estar com meus produtos na praça em Belém para a COP 30, mostrando meu trabalho com a bioeconomia”, prevê. “Até lá, já devo ter um catálogo de produtos, além de usar a internet para venda e delivery”.