Evento preparatório para as Conferências do Clima da ONU, as Reuniões Climáticas de Junho foram encerradas com avanços especialmente nos temas de transição justa, adaptação e Balanço Global (Global Stocktake), mas com desafios que ainda deverão ser enfrentados pelos negociadores em novembro deste ano, na COP30, em Belém.
Reunindo representantes de mais de 190 nações, o encontro iniciou em 16 de junho e seguiu até às 0h25 de sexta-feira (27) no horário de Bonn – 19h25 de quinta-feira (26) no horário do Brasil – quando foi concluída a plenária de encerramento no Centro Mundial de Conferências de Bonn, na Alemanha, onde fica a sede da ONU para as Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Em pronunciamento oficial na plenária de encerramento que adentrou a madrugada, o Secretário Executivo da ONU para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, elogiou o trabalho dos negociadores, mas destacou que muito ainda precisa ser feito até a conferência de Belém.
“Precisamos ir mais longe, mais rápido e de forma mais justa. Eu louvo o trabalho árduo e que rendeu frutos nos últimos dez dias, inclusive no Programa de Trabalho sobre Transição Justa, nos Planos Nacionais de Adaptação, transparência e no diálogo dos Emirados Árabes Unidos sobre a implementação dos resultados do Balanço Global”, destacou, sem deixar de observar que, em outras áreas, os negociadores encontraram dificuldade de avançar.
“Não vou amenizar a realidade. Temos muito a fazer antes de nos reunirmos novamente em Belém. Há muito trabalho a ser feito para manter o objetivo de 1,5° vivo, como exige a ciência. Precisamos encontrar uma maneira de tomar decisões difíceis mais rápido”.
Entre os entraves enfrentados nas negociações em Bonn, o financiamento climático teve destaque, sobretudo no que se refere a quem tem a responsabilidade de arcar com os custos ocasionados pela crise climática. As frustrações acerca do tema já eram conhecidas dos negociadores desde a última conferência do clima, a COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão.
Para o governo brasileiro, as reuniões de junho tinham como prioridade a necessidade de avançar em temas como transição energética justa, indicadores de adaptação e o Balanço Global (GST). A expectativa era, inclusive, de que as reuniões preparatórias pudessem ‘preparar o terreno’ para que, em novembro, na COP30, os negociadores já rumassem para a tomada de decisão. Não foi possível alcançar 100% de consensosobre os três tópicos, mas houve avanço em parte dos temas. O resultado foi celebrado pela negociadora-chefe do Brasil, Embaixadora Liliam Chagas, e pela CEO da COP30, Ana Toni, durante coletiva de imprensa realizada ainda na noite da quinta-feira (26).
A Embaixadora Liliam Chagas destacou avanços alcançados no programa de trabalho sobre transição justa e nos diálogos do Balanço Global (GST, na sigla em inglês). “Houve acordo praticamente sobre todos os temas em Bonn — objetivo global de adaptação, transição justa e diálogo sobre o balanço global, entre muitos outros”, avaliou. “Chegamos a Bonn pedindo entrega. E saímos com avanços concretos. Agora, estamos preparados para avançar ainda mais em Belém”.
Já Ana Toni reforçou que o Brasil apresentou, durante as reuniões em Bonn, a quarta carta da Presidência da COP30, onde tornou pública uma agenda voltada à aceleração da implementação do Balanço Global (GST). “A proposta foi bem recebida por governos, empresas, sociedade civil e povos indígenas. A ideia de acelerar ressoou. Todos querem avançar”.
Acompanhando as reuniões em Bonn, o coordenador de política internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo, avalia que o Brasil conseguiu um desempenho positivo no evento pré-COP. “Foi o primeiro teste do Brasil na Presidência da COP30. E com o encerramento do texto e o acordo sobre os objetivos globais de adaptação, a gente pode dizer que o Brasil foi aprovado neste teste”, avalia. “Essa conferência de Bonn mais facilita, do que dificulta o trabalho dos negociadores em Belém. Não dá para dizer, dada toda a confusão sobre financiamento, que o sucesso de Bonn automaticamente vai tornar Belém bem-sucedida, mas as chances ficam um pouco maiores agora”.
Ele considera que, das três prioridades apontadas pelo Brasil, foi possível avançar em duas e meia. “Tivemos um texto sobre transição justa que saiu com a possibilidade de, em Belém, evoluir para todos os elementos que a sociedade civil está pedindo, que é um mecanismo de ação para a transição justa. A gente teve o acordo sobre os indicadores de adaptação: apesar de toda a demora e confusão em torno do financiamento, e a tensão nas últimas horas aqui em Bonn, ele também saiu”, enumera.
“E a gente teve uma decisão menos brilhante, que na verdade é um compilado de dois textos bem díspares sobre o diálogo dos Emirados Árabes a respeito da implementação do Balanço Global do Acordo de Paris. São dois textos, o que diz claramente que ele não está acordado e que teve muita divergência entre os países, só que, pelo menos, a gente não perde todo o trabalho feito a caminho de Belém. Todo o trabalho feito em Bonn, tem um seguimento para a COP30”.
Organizações da sociedade civil apontam desafios que precisarão ser enfrentados na COP30
Ainda que o financiamento climático não seja parte formal das negociações da COP30, o tema deverá ter grande relevância na conferência de Belém. Tomando como termômetro as discussões realizadas em Bonn, nas Reuniões Climáticas de Junho, organizações não governamentais que acompanham a agenda climática apontaram os desafios que precisarão ser enfrentados pelos países em novembro deste ano.
Para a gerente de Políticas Climáticas do WRI Brasil, Miriam Garcia, o caminho é longo, mas as perspectivas são boas. “As inovações da diplomacia brasileira para a COP30 levadas a Bonn encontraram barreiras já conhecidas das negociações climáticas, sendo a principal delas o financiamento. Além disso, o momento geopolítico é cada vez mais complexo e presente nas salas de negociação”, contextualiza.
“Ainda há um longo caminho para que decisões possam ser acordadas em Belém, mas são boas as perspectivas principalmente na temática de Transição Justa. Será importante acompanhar como os ditos atores da economia real, como empresas, instituições financeiras e governos subnacionais, reagirão ao chamado para avançar na implementação e colocar o Balanço Global como referência da Agenda de Ação.”
Ainda que algumas agendas não tenham sido destravadas nas rodadas de negociação de Bonn como se esperava, o líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil, Alexandre Prado, destaca de forma positiva a decisão da Presidência brasileira da COP de apresentar uma carta fazendo um chamado à ação.
“De modo geral, os esforços ainda estão aquém do que precisamos para combater as mudanças climáticas, mas acho positiva, por exemplo, a proposta da Presidência da COP30 de trazer na 4ª carta a ação climática, com atores da sociedade civil e do setor privado, mais próxima dos temas de negociação. É o sentido do ‘mutirão’ que tanto precisamos para encarar o problema com a urgência e a seriedade que ele exige”.
Na avaliação da especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, Camila Jardim, durante a COP30, o Brasil tem possibilidades reais de ser um catalisador da agenda climática.
“Em Bonn, o Brasil demonstrou disposição para ouvir, engajar todas as partes e buscar consenso, mobilizando diplomatas experientes e mantendo um diálogo persistente desde o início. No entanto, impasses geopolíticos e decisões lentas mostram que a diplomacia climática precisa ir além da boa vontade. Além disso, o Brasil tem todas as condições para ser não apenas um bom ouvinte e facilitador, mas também um catalisador da ambição e mostrar que a cooperação global é possível”, pontua.
“A COP30 pode ser um marco, mas precisa combinar habilidade diplomática com uma visão ousada, pressionando por resultados tangíveis e lembrando ao mundo que, enquanto alguns investem em guerras, a verdadeira batalha deve ser contra a crise climática”.
ENTENDA
As Reuniões Climáticas de junho da ONU, formalmente chamadas de 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62), são realizadas anualmente no Centro Mundial de Conferências de Bonn, na Alemanha, onde fica a sede da ONU para as Mudanças Climáticas (UNFCCC). Neste ano, o evento foi iniciado em 16 de junho e seguiu até o último dia 26, quando foi realizada a plenária de encerramento. O encontro tem como objetivo preparar o documento que será o objeto da negociação em novembro, na COP30, em Belém.