Patrícia Campos Mello (Folhapress)
Relatório da Polícia Civil do Pará encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) aponta para a participação de um vereador e vários ex-vereadores, um procurador municipal, um assessor de deputado federal e inúmeros empresários na organização e financiamento de protestos contestando a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial.
O relatório foi enviado na última terça-feira (8) ao STF, após determinação do ministro Alexandre de Moraes para que órgãos de investigação nos estados identificassem líderes e financiadores dos atos antidemocráticos que se espalharam pelo país desde a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O relatório sigiloso, obtido pela Folha de S.Paulo, afirma que a polícia acredita haver um movimento organizado para promover os protestos nas imediações do 2º Batalhão de Infantaria de Selva, em Belém, pedindo intervenção militar, intervenção federal e alegando fraudes nas eleições. Segundo a polícia, foram usados “carros do tipo de transporte de passageiros, além de veículos estilo caminhonete que levavam os participantes na parte traseira.”
Além disso, “havia a distribuição de água, camisetas, bandeiras, além de alimentos diversos”. Durante a diligência, continua, “só houve uma pessoa que solicitava colaboração para custear o item ofertado, nos demais casos as coisas eram ofertadas gratuitamente”. O relatório também aponta para a existência de tendas, barracas e banheiros. O documento identificou veículos em nome de uma churrascaria e uma distribuidora de água que estavam distribuindo comida aos manifestantes.
Segundo a polícia, uma das pessoas identificadas como líder do movimento, que estava incitando a multidão a contestar o resultado e coordenando os manifestantes com o uso de um microfone, era Sandro Nascimento Ferreira Branco, secretário parlamentar do gabinete do deputado federal Éder Mauro (PL-PA). Mauro é um dos principais apoiadores de Jair Bolsonaro.
Procurado, o deputado afirmou que não influenciou a decisão de Branco de participar e que o funcionário teria dito que não era liderança do movimento, apenas participante. “Não orientei ou incentivei ele a participar. E não me fiz presente em nenhum momento no local onde estava ocorrendo.”
ESTRADAS
Em diversos bloqueios de estradas no Pará, os policiais identificaram carros e caminhões em nome de empresas, alguns prestando assistência logística.
A polícia indicou que Aurélio Ramos de Oliveira Neto, vereador de Parauapebas, teria sido um dos líderes do bloqueio da PA-275, que liga o município a Parauapebas, ao lado de ex-vereadores e um ex-prefeito. Procurado pela reportagem por telefone e
e-mail, Neto não retornou.
Na interdição da estrada PA-279, na entrada de Ourilândia do Norte, o procurador do município, Jhonathan Pablo de Souza Oliveira, seria um dos líderes e estaria prestando assessoria jurídica ao movimento, segundo o relatório. Procurado por celular e mensagem, Jhonathan não retornou.
Em tese, aqueles que participaram de atos com bandeiras golpistas podem responder por crime de incitação à prática criminosa, previsto pelo Código Penal, com pena de detenção de até seis meses ou multa.
Manifestações antidemocráticas no estado já acabaram em violência. Na segunda-feira, bolsonaristas atacaram a polícia com pedras e tiros para impedir o desbloqueio do km 312 da BR-163, em Novo Progresso, sudoeste do Pará. Segundo relatório da polícia paraense, durante tentativa de desocupação da estrada pela Polícia Rodoviária Federal, “houve violento revide dos manifestantes, que chegaram a arremessar pedras e realizar disparos de arma de fogo em direção aos policiais e suas viaturas, sendo algumas danificadas”.
MULTA
Os veículos identificados devem levar multa de R$ 100 mil por hora, assim como pessoas que tenham dado apoio logístico, financiado os protestos ou permanecido nas manifestações.
A lei do Estado democrático de Direito –sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar– acrescentou que quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes e instituições também responde pelo crime. Funcionários públicos que exercem outros cargos podem, eventualmente, responder a processos administrativos por participar de atos contra a democracia.