Pará

Aqui a IA não se cria! Veja profissões que resistem ao tempo no Pará

Profissões que resistem ao tempo e aos avanços tecnológicos.  Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.
Profissões que resistem ao tempo e aos avanços tecnológicos.  Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

Cintia Magno

Ao mesmo tempo em que algumas profissões se veem ameaçadas ou transformadas pela recente popularização da inteligência artificial (IA), outras seguem resistindo ao tempo e aos avanços tecnológicos. São ocupações que sobrevivem, apesar de bastante antigas, e que ainda hoje garantem não só a renda de muitos trabalhadores, como também o acesso a um serviço diferenciado aos consumidores.

Na mesma loja em que trabalha há quase 70 anos, instalada em um casarão antigo na Praça Brasil, o profissional conhecido como Michel Alfaiate dá seguimento à pilha de demandas que têm para atender. Aos 85 anos de idade, todos os dias, ele se dirige ao local onde aprendeu o ofício para dar forma às mais diversas peças do guarda-roupa masculino e ainda fazer alguns reparos. “Fazemos terno, paletó, calça, colete e consertamos tudo. A gente trabalha mais com vestuário masculino, mas também sabemos fazer peças femininas como blazer, calças para senhoras, conserto de bainha”, conta. “Tem bastante trabalho, graças a Deus”.

Michel Alfaiate, 85 anos. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

A profissão que garante o sustento da família foi apresentada a Michel ainda em 1954, quando ele tinha apenas 15 anos de idade. Ele lembra que naquela época quem acabava escolhendo a profissão seguida pelo filho eram os pais e com ele não foi diferente. “Um conhecido da família, um dia, chegou para a minha mãe e perguntou se ela não queria que eu aprendesse o ofício de alfaiate. Ela disse que se eu quisesse, poderia aprender, mas naquela época a gente não tinha muita escolha, então, eu disse que queria”, recorda. “Passei dois anos como aprendiz e depois vim pra cá e estou até agora”.

Para dar conta da grande demanda de trabalho que recebe até hoje, Michel conta que reveza o expediente com outro alfaiate, o Wilson, quem ele conheceu também em 1954 e que segue como seu colega de profissão e amigo até hoje. Ainda que dos janelões instalados bem em frente ao balcão da alfaiataria ele veja o quanto a cidade mudou ao longo dessas sete décadas, uma coisa permanece: a preferência dos clientes pelo trabalho diferenciado. “Tem clientes muito antigos, gente que já conhece o trabalho aqui e não leva para outro lugar. Trabalho ainda tem bastante. Estou com 85 anos e sigo aqui na ativa”.

 Profissões que resistem ao tempo e aos avanços tecnológicos. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

É também no mesmo ponto que iniciou na profissão que o barbeiro Rubens Silva Maia Júnior segue a ocupação herdada do pai, o também barbeiro Rubens Silva Maia. Na barbearia instalada na avenida Pedro Miranda, pai e filho dão continuidade a uma tradição que se mantém há 50 anos. “Eu comecei na profissão com 16 anos. No início eu colocava a minha cadeirinha na frente de casa e hoje é o meu ganha pão”, lembra Rubens Júnior, o filho. “Eu comecei a me interessar, aprendi algumas coisas e resolvi fazer o curso no Sesc. Foi quando eu vim trabalhar com o meu pai”.

Tendo passado a experiência para o filho, Rubens agora conta com um parceiro de trabalho que ajuda a manter a clientela antiga e amiga. Alguns dos clientes que, hoje, cortam cabelo na barbearia com o filho, já foram atendidos muitas vezes pelo pai quando ainda eram crianças. “Tem clientes aqui que vinham criança e hoje já são adultos e continuam vindo”, lembra Rubens Maia. “Eu tenho esse ponto aqui há 50 anos, sempre no mesmo lugar. Eu gosto de estar aqui e, agora, quando eu quero viajar eu vou e o meu filho assume tudo aí”.

A trajetória de João Cabral, 57 anos, como relojoeiro também tem relação com memórias de juventude e a relação com os pais, neste caso, com a mãe. Ele lembra que durante a adolescência ele tinha o grande sonho de ter um relógio e chegou a pedir um de presente para a mãe. Foi este o ponto de partida para que, no futuro, ele não apenas realizasse o desejo de ter um relógio, como também passasse a saber consertá-los. “A minha mãe era lavadeira e era tudo muito difícil, mas eu tinha muita vontade de ter um relógio. Um dia eu pedi um relógio pra minha mãe, mas ela não tinha condições de me dar e foi quando eu pensei ‘um dia eu ainda vou ter um relógio’”.

O interesse pelo equipamento acabou levando João a se aproximar de um conhecido cujo pai trabalhava consertando relógios. De início, ele pediu para o colega que o ensinasse a profissão e tomou algumas lições, mas ninguém levou muito a sério o interesse do jovem aprendiz.

“Para a minha mãe eu dizia que eu ia jogar bola, mas eu ia para a casa desse conhecido para ser ajudante dele na intenção de aprender. Quando eu consegui um dinheirinho, eu comprei um relógio usado e fiquei tentando mexer nele em casa, sozinho”, recorda. “Foi quando esse meu conhecido viu que eu estava interessado mesmo em aprender e foi quando ele começou a me ensinar mais a sério. Eu aprendi a profissão e em seis meses eu já estava trabalhando na prestadora de serviço de uma grande marca”.

Foi nessa prestadora que João aprendeu a fazer a manutenção e o conserto também dos relógios digitais. Depois de um tempo na empresa, ele seguiu outros caminhos profissionais, mas a atividade de relojoeiro sempre esteve presente e segue até hoje, passados 30 anos. “Além de ser o meu sustento, é uma coisa que eu gosto mesmo. É um hobby pra mim e graças a Deus não falta serviço”.

Quem também não pode reclamar da falta de demanda é o técnico em manutenção de celular, Kenison Ramos, 37 anos. Com todo o avanço da tecnologia móvel, em que novos modelos de smartphones são lançados frequentemente, a procura por serviços de conserto e manutenção segue alta. “Tem bastante serviço, não para. Eu pego uma média de 15 celulares por dia pra consertar”, conta, no espaço instalado na feira da Pedreira, na avenida Pedro Miranda. “Todos os dias têm bastante trabalho”.

Kenison Ramos, 37 anos, tecnico em manutenção de celular. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

A profissão exercida por Kenison também partiu de um interesse pessoal pelos eletrônicos. A partir daí, ele buscou vários cursos na área e não se arrepende da escolha feita. Entre as demandas mais atendidas no seu ponto, está a substituição de placas de aparelhos celulares. “Os defeitos na tela são o nosso carro chefe. A gente faz muito reparo de placas aqui”.

PROFISSÕES

Desde que as ferramentas que utilizam Inteligência Artificial (IA) começaram a se popularizar no país, as análises se voltaram para o possível impacto que a tecnologia poderia oferecer para o desaparecimento ou substituição de algumas atividades desempenhadas por humanos. Na contramão deste cenário, algumas profissões seguem resistindo ao tempo e aos avanços tecnológicos, sobretudo as que demandam criatividade e trabalhos manuais.

 

Atividade tem relação com memórias de juventude

A trajetória de João Cabral, 57 anos, como relojoeiro tem relação com memórias de juventude e a relação com os pais, neste caso, com a mãe. Ele lembra que durante a adolescência ele tinha o grande sonho de ter um relógio e chegou a pedir um de presente para a mãe. Foi este o ponto de partida para que, no futuro, ele não apenas realizasse o desejo de ter um relógio, como também passasse a saber consertá-los.

“A minha mãe era lavadeira e era tudo muito difícil, mas eu tinha muita vontade de ter um relógio. Um dia eu pedi um relógio pra minha mãe, mas ela não tinha condições de me dar e foi quando eu pensei ‘um dia eu ainda vou ter um relógio’”.

A atividade de relojoeiro sempre esteve presente na trajetória profissional de João Cabral e segue até hoje, passados 30 anos Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

O interesse pelo equipamento acabou levando João a se aproximar de um conhecido cujo pai trabalhava consertando relógios. De início, ele pediu para o colega que o ensinasse a profissão e tomou algumas lições, mas ninguém levou muito a sério o interesse do jovem aprendiz.

“Para a minha mãe eu dizia que eu ia jogar bola, mas eu ia para a casa desse conhecido para ser ajudante dele na intenção de aprender. Quando eu consegui um dinheirinho, eu comprei um relógio usado e fiquei tentando mexer nele em casa, sozinho”, recorda. “Foi quando esse meu conhecido viu que eu estava interessado mesmo em aprender e foi quando ele começou a me ensinar mais a sério. Eu aprendi a profissão e em seis meses eu já estava trabalhando na prestadora de serviço de uma grande marca”.

Foi nessa prestadora que João aprendeu a fazer a manutenção e o conserto também dos relógios digitais. Depois de um tempo na empresa, ele seguiu outros caminhos profissionais, mas a atividade de relojoeiro sempre esteve presente e segue até hoje, passados 30 anos. “Além de ser o meu sustento, é uma coisa que eu gosto mesmo. É um hobby pra mim e graças a Deus não falta serviço”.