Ana Laura Costa
O mercado de apostas esportivas online no Brasil vem crescendo exponencialmente, principalmente após a legalização das apostas de quota fixa, por meio da Lei nº 13.756/18, no final de 2018.
Hoje, seja no intervalo do jogo de futebol na televisão; nos estádios; na camisa de jogadores dos maiores times brasileiros; nos outdoors nos prédios da cidade e, claro, na internet, é possível conhecer algumas das muitas “bets” – casas de apostas esportivas digitais – que operam no país, com sede no exterior, e conquistaram os brasileiros.
Não à toa, dos 60 clubes brasileiros que fazem parte das séries A, B e C, cerca de 51 têm patrocínios de 23 casas de apostas online diferentes, aponta o estudo da Agência de Marketing Esportivo Neo Brand.
Portanto, embora as plataformas de apostas esportivas permitam palpites em variadas modalidades, os apaixonados por futebol impulsionam o setor. Quando o assunto é apostar, o futebol lidera o ranking, 81% dos apostadores preferem o esporte, indica outro levantamento realizado pela Industry Insights – Telecom, Plataformas e Serviços de Educação – Globo.
Em alta, o mercado das “bets” vem rendendo debates como, por exemplo, a regulamentação das casas de apostas esportivas, por meio de MP (Medida Provisória) – devendo legislar acerca da arrecadação de impostos, operações das empresas no mercado, disque-ajuda para viciados em apostas e a obrigação da publicidade para o “Jogo Responsável”.
Outro assunto é a CPI das Apostas Esportivas, criada em abril de 2023, no Congresso. A comissão apura suposta manipulação de resultados de partidas em campeonatos estaduais de 2023, assim como nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro, em 2022, para beneficiar apostadores.
Ocorre que, embora muitos façam apenas uso recreativo da atividade, cresce o número de casos de dependência e perdas financeiras. Outra pesquisa feita pela Mobile Time e Opinion Box, com mais de 2 mil brasileiros sobre o uso de apps no país, revelou que 60% dos apostadores reconhecem que perderam mais dinheiro do que ganharam, enquanto apenas 23% afirmam ter ganhado mais do que perdido. A maioria dos apostadores são jovens de 16 a 29 anos, que representam 36% dos indivíduos que já apostaram on-line.
Quanto à classe social, os dados apontam que os brasileiros das classes D e E, são 30% dos usuários de smartphone que já apostaram dinheiro nestes aplicativos, enquanto apostadores das classes A e B, retratam 22%. Ou seja, os números indicam que quanto mais jovens e menos recursos financeiros, maior a possibilidade de usar os aplicativos de apostas e vulnerabilidade em termos de possíveis perdas.
‘O positivo te deixa com vontade de ganhar mais e mais, e o negativo te motiva a qualquer custo recuperar o que já perdeu’
O paraense Flávio (nome fictício), 27 anos, conheceu o mundo das apostas esportivas através de um amigo. “Ele comentou comigo que um outro colega dele ganhava dinheiro apenas com palpites de futebol”, alega. No início, segundo Flávio*, não havia um motivo específico para apostar.
“Era algo novo, uma oportunidade de ganhar dinheiro apenas dando palpites em algo que sempre gostei, que é o futebol. Apostava praticamente todos os dias, porém com valores baixos e não tinha um limite específico para gastar”, relembra.
Com o tempo, o jogador chegou a apostar 3 mil e faturar 16 mil no intervalo de uma semana. Para ele, com os resultados das apostas, a probabilidade de perder o controle é imensa. “Isso vale tanto quando você está tendo resultados positivos quanto negativos. Pois o positivo te deixa com vontade de ganhar mais e mais, e o negativo te motiva a qualquer custo recuperar o que já perdeu”.
Flávio* revela que começou a perceber o descontrole em apostas quando começou a pedir dinheiro emprestado de agiotas para pagar pendências, que também resultaram em perdas de bens materiais para sanar as dívidas.
Além dos prejuízos financeiros, os resultados negativos começaram a lhe causar descontrole emocional. “Praticamente afetou em tudo, relações familiares, sociais, me irritava com facilidade. Mesmo assim, após as perdas, me concentrava nos palpites sempre com a esperança de que ‘dessa vez vai dar certo’ ”, confessa.
Sobe número de apostadores que pedem ajuda médica
A psicóloga Daya Vitorino, do IAA, comenta que, desde a pandemia, cresce o número de apostadores que procuram ajuda. Ela ainda destaca que o vício em jogos de azar é mapeado pela Classificação Internacional de Doenças Relacionadas à Saúde (CID) da OPAS/OMS.
“Na CID-10-Z72.6 é mapeado como doença a mania de jogos e apostas, ou seja, essa patologia já está prevista. Então, seja nos consultórios de psiquiatria ou psicologia, nós estamos recebendo casos de pacientes com dificuldades com jogos ou compulsão por jogos. E o olhar do psicólogo é importante neste sentido, porque alerta para pontos específicos, com a sensibilidade para algo muitas vezes negligenciado”, aponta.
Definido como ludopatia, o vício em apostas é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1980. No Brasil, estima-se que de 1% a 1,3% da população enfrente problemas patológicos relacionados ao hábito.
”É muito comum que a pessoa que está muito ligada às apostas, mude a relação em casa. Ela começa a mentir sobre os prejuízos da atividade, comprometer as economias da família e a levar uma vida secreta mesmo, que acaba prejudicando muito essas relações familiares e sociais”.
A partir disso, outros problemas associados à saúde mental começam a se desenvolver, como os transtornos de ansiedade e depressão. Em relação à diferença no tratamento de outros tipos de vícios, a profissional destaca que há uma peculiaridade no vício em jogos porque tudo inicia como uma ‘brincadeira’.
“Assim com o álcool, que é socialmente aceito, socialmente aprovado, a mesma coisa em relação aos jogos. Nos finais de semana muitos jogos acontecem, a TV aberta por exemplo, tem programações específicas, estamos inseridos numa cultura que incentiva a ida aos estádios. Então, a pessoa tem acesso a esses estímulos o tempo todo. E além da sensação de prazer que uma partida pode permitir, o vício em apostas tem a peculiaridade do ganho financeiro, a promessa de uma vida melhor. Do ponto da psiconeurologia, a gente já sabe que, em pessoas viciadas em jogos, áreas do córtex são ativadas e geram sensações de prazer muito intensas”, pontua.