Ana Célia Pinheiro
Parece até coisa de Sucupira, a cidade fictícia da novela “O Bem Amado”: em Ananindeua, o hospital que mais recebe dinheiro da Prefeitura é o Santa Maria de Ananindeua, que pertenceu ao prefeito da cidade, Daniel Barbosa Santos. Desde 2021 até o último 24 de maio, a Prefeitura pagou R$ 73,2 milhões ao ex-hospital do prefeito. É mais que o dobro do que receberam outros hospitais do município. Bate até mesmo o que foi destinado ao hospital da família do deputado estadual Erick Monteiro, ex-vice-prefeito de Daniel.
Os números são do portal municipal da Transparência e foram atualizados pelo IPCA de janeiro deste ano. Eles mostram uma concentração cada vez maior do atendimento hospitalar de Ananindeua no Santa Maria e no Modelo, hospital da esposa do deputado Erick Monteiro.
No Anita Gerosa, os pagamentos encolheram de R$ 8,8 milhões para R$ 6,4 milhões. No Hospital de Clínicas de Ananindeua (HCA), caíram de cerca de R$ 11 milhões para R$ 9,6 milhões.
No mesmo período, o Camilo Salgado, outro grande hospital, até fechou as portas: ele foi desapropriado, em 2021, pelo prefeito, e os donos não conseguiram reabri-lo em outro local, devido a irregularidades no pagamento das parcelas de indenização pela desapropriação e a um calote de R$ 4 milhões, pela Prefeitura. Entre 2021 e o último 24 de maio, o Anita Gerosa, hospital filantrópico que atende a população mais carente, recebeu da Prefeitura apenas R$ 26,879 milhões.
Já o HCA, R$ 33,780 milhões. O hospital Modelo, R$ 41,5 milhões. E o campeoníssimo Santa Maria, R$ 73,2 milhões. O dinheiro é de contratos que a Prefeitura mantém com os hospitais, com verbas do Serviço Único de Saúde (SUS). Como Ananindeua tem “gestão plena” da Saúde, é a Prefeitura quem recebe os relatórios dos serviços que eles dizem ter realizado e os envia ao SUS, para justificar os pagamentos.
Dos R$ 73,2 milhões destinados ao Santa Maria, R$ 24 milhões foram pagos quando Daniel ainda era dono do hospital. Ele entrou como sócio da empresa em agosto de 2014 e só se afastou, pelo menos formalmente, em maio de 2022. Nesse período, o Santa Maria aumentou o seu faturamento em 1.068%, já descontada a inflação: saltou de R$ 13 milhões para mais de R$ 156 milhões anuais (atualizados).
ALEPA
O crescimento coincidiu com a ascensão política de Daniel. Nesse período, ele foi vereador, deputado estadual, presidente da Câmara Municipal de Ananindeua e presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), além de se eleger prefeito. Só entre 2014 e 2019, o faturamento cresceu 518%, saindo de R$ 13,3 milhões para R$ 82,6 milhões.
Em 2019, Daniel presidia a Alepa, o segundo cargo político mais estratégico do estado, depois do governador. E foi também naquele ano que o Santa Maria inaugurou um edifício espelhado de 4 andares e investiu, só em equipamentos, cerca de R$ 13 milhões. Um quadro bem diferente de 2014, quando funcionava em um prédio antigo e acanhado, possuía apenas 31 funcionários, máquinas e equipamentos no valor de R$ 287 mil e um capital social de R$ 108 mil, segundo informações de seus balanços contábeis, registrados na Junta Comercial do Pará (Jucepa), e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Em 2020, na época da pandemia e com Daniel ainda no comando da Alepa, o faturamento do hospital quase dobrou, atingindo mais de R$ 159 milhões. Em 2021, com Daniel já como prefeito, o faturamento foi de R$ 161 milhões. E em 2022, ficou em R$ 156 milhões.
Hoje, o Santa Maria possui mais de 140 funcionários e se prepara para inaugurar um edifício ainda maior, colado ao inaugurado em 2019. Quando foi criado, em janeiro de 2013, ele possuía 3 sócios declarados: a comerciante Geciara dos Santos Barbosa e os médicos Jorge Sidney Pinheiro de Moraes e Elton dos Anjos Brandão, o administrador do negócio.
Mas, em julho daquele ano, Jorge deixou a empresa. Em agosto de 2014, Geciara fez o mesmo, repassando o seu capital a Daniel. Hoje, Geciara é apontada pelo Ministério Público do Pará (MPPA) como integrante de uma organização criminosa que teria desviado R$ 261 milhões do Instituto de Assistência do Servidor Público do Pará (Iasep) para o Santa Maria. A quadrilha seria comandada por Elton dos Anjos Brandão, que, a partir de 2014, virou o único sócio do hospital, junto com Daniel.
Os dois possuíam igualdade de capital, mas Elton permaneceu como administrador do hospital: a Lei proíbe que políticos eleitos e servidores públicos administrem empresas. No entanto, quem parece ter sempre estado presente no cotidiano do hospital foi Daniel. Segundo o CNES, o Santa Maria foi a único hospital em que ele trabalhou, desde 2013 até 2023 (ele só se afastou de lá, como médico, em julho do ano passado).
Já Elton, desde 2013, trabalhou no Santa Maria como médico, e em uma filial do hospital, em Marituba; e, ainda, na UPA II da Prefeitura de Ananindeua, como contratado, até dezembro de 2017, além de aceitar um trabalho no estado do Maranhão. Hoje, segundo o MPPA, Elton é dono de um vasto patrimônio. A ponte entre Elton e o Iasep seria um servidor público chamado Ed Wilson Dias e Silva. Ele foi chefe de gabinete de Daniel quando este presidiu a Alepa e diretor de Planejamento Estratégico da Prefeitura de Ananindeua, de 2021 até 05 de abril deste ano, na administração de Daniel.