Foto: Carla Azevedo
Foto: Carla Azevedo

NOVA ERA DA MINERAÇÃO

Amazônia minerada e preservada é possível

Mineração de grande escala em plena floresta amazônica, sem uso de barragens nem água e com emissão quase zero de poluentes, é realidade e já acontece em Carajás, no Pará

No sudeste do Pará, a região de Carajás é conhecida por abrigar uma das maiores riquezas minerais do planeta — ferro, cobre, níquel, manganês e ouro
No sudeste do Pará, a região de Carajás é conhecida por abrigar uma das maiores riquezas minerais do planeta — ferro, cobre, níquel, manganês e ouro. Fotos: Carla Azevedo

No sudeste do Pará, a região de Carajás é conhecida por abrigar uma das maiores riquezas minerais do planeta — ferro, cobre, níquel, manganês e ouro. Ali está o maior complexo minerador a céu aberto do mundo, operado principalmente pela Vale, em uma área que ocupa cerca de 800 mil hectares.

Mas Carajás é mais do que mineração. A região também está no coração da Amazônia e, por isso, representa um dos grandes dilemas da atualidade: como conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental?

O que se chama de Mosaico de Carajás é formado por seis áreas de conservação ambiental protegidas pelo ICMBio, com apoio da própria mineradora. Uma dessas áreas é a Floresta Nacional de Carajás (Flona), que abriga mais de 3 mil espécies de animais e plantas e mais de 11 mil nascentes — um verdadeiro tesouro ecológico.

As atividades da Vale ali começaram em 1985. Hoje, a empresa opera várias minas na região, incluindo a histórica Carajás Serra Norte, em Parauapebas, e a mais recente Serra Sul (S11D), inaugurada em 2016. Em Curionópolis, a empresa também opera a mina Serra Leste.

A S11D, em especial, tem chamado atenção por unir tecnologia e menor impacto ambiental. A operação não usa água no beneficiamento do minério e dispensa o uso de barragens. Em vez de caminhões, são usadas escavadeiras elétricas, britadores móveis e correias transportadoras, reduzindo em até 95% o consumo de água, 73% o de energia, e cortando as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 40%.

Parte da infraestrutura foi deslocada para áreas de pastagem fora da Floresta Nacional, e uma correia de longa distância ajuda a evitar intervenções na vegetação nativa.

Outro exemplo de inovação é o Projeto Gelado, em Serra Norte. Nele, rejeitos antigos de mineração estão sendo reaproveitados para produzir até 6 milhões de toneladas de minério por ano, sem gerar novos resíduos. As operações usam dragas 100% elétricas, sem emissão de gases poluentes.

Segundo Gildney Sales, diretor do Corredor Norte da Vale, o projeto representa um novo ciclo na mineração.

“A gente vem trabalhando para que até 2030, 10% da produção da Vale venha da economia circular. O Gelado é um exemplo real disso. A barragem existe desde 1985, e hoje conseguimos transformar o rejeito em produto. Na época não havia tecnologia para isso. Agora temos, e com dragas elétricas, sem diesel ou emissão de CO₂.”

Floresta em pé, economia girando
Mas o compromisso ambiental não se resume às operações. Em 2019, a Vale estabeleceu metas alinhadas à Agenda 2030 da ONU, incluindo a recuperação de 100 mil hectares de áreas degradadas e a proteção de outros 400 mil hectares de floresta — tudo além das exigências legais.

Metade dessa meta já foi alcançada: 200 mil hectares protegidos, sendo 115 mil via parcerias com Unidades de Conservação e 85 mil por meio de projetos de REDD+. Entre 2020 e 2024, foram 18.443 hectares recuperados, com apoio do Fundo Vale.

Segundo Patrícia Darós, diretora de Soluções Baseadas na Natureza da Vale, a proposta vai além da preservação: é também sobre gerar oportunidades.

“A agenda 2030 olha para biodiversidade, clima e pessoas. Temos 22 mil nascentes protegidas aqui. Essa floresta guarda 601 milhões de toneladas de carbono. E queremos que isso também beneficie quem vive nesse território. Por isso, estamos investindo em sistemas agroflorestais, negócios sustentáveis e soluções que gerem renda e mantenham a floresta de pé.”

Cacau, floresta e renda: a aposta da Belterra
Um exemplo concreto disso é a Belterra Agroflorestas, criada em 2020 com investimento do Fundo Vale. Fundada pelo geógrafo Valmir Ortega, a empresa aposta nos Sistemas Agroflorestais (SAFs) — que combinam cultivo agrícola com reflorestamento.

A meta é ambiciosa: produzir 60 mil toneladas de cacau por ano em polos na Amazônia e Mata Atlântica — o equivalente à produção atual de todo o Pará. O projeto também pretende gerar 2 mil empregos diretos no campo e atrair indústrias de processamento para a região. Uma das unidades-modelo já funciona em Canaã dos Carajás.

Investimento com impacto
Ao todo, o Fundo Vale já destinou mais de R$ 500 milhões para fomentar negócios sustentáveis, acelerando cerca de 400 iniciativas e beneficiando mais de 60 mil pessoas.

“A gente já investe em bioeconomia desde quando se falava em ‘economia verde’. Os nomes mudam, mas a ideia é a mesma: apoiar quem consegue gerar renda sem derrubar a floresta. Não é só aportar recursos, é também fortalecer cadeias produtivas, construir ecossistemas de apoio”, explica Patrícia Darós.

Mineração de grande escala em plena floresta amazônica, sem uso de barragens nem água e com emissão quase zero de poluentes, é realidade e já acontece em Carajás, no Pará
Mineração de grande escala em plena floresta amazônica, sem uso de barragens nem água e com emissão quase zero de poluentes, é realidade e já acontece em Carajás, no Pará. Foto: Carla Azevedo

A história de Carajás, antes conhecida apenas pela mineração, agora se desenha também como território de inovação ambiental, produção sustentável e transformação social. E o futuro da floresta pode passar, justamente, por esse novo jeito de fazer economia na Amazônia.

Iniciativas de Renda Sustentável na Amazônia

‘Mulheres de Barro’: Artesanato valoriza cultura e gera renda na Amazônia
O fortalecimento de cadeias produtivas ligadas a saberes locais tem sido um dos caminhos mais eficazes para gerar renda de forma sustentável, integrando conservação da biodiversidade e valorização cultural. As mulheres têm assumido papel de protagonismo em diversas frentes produtivas, como agricultura familiar, apicultura, fruticultura, cultivo de hortaliças e resgate do patrimônio imaterial. O grupo Mulheres de Barro é um exemplo emblemático dessa união entre tradição, inovação e pertencimento.

A iniciativa teve início entre 2005 e 2011, durante oficinas do Programa de Educação Patrimonial, realizadas como parte das atividades do processo de licenciamento ambiental do projeto Salobo, no Pará. A ação foi conduzida pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, em parceria com a Vale e a Fundação Vale, e teve como foco o resgate e a valorização de artefatos arqueológicos com mais de seis mil anos, encontrados na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri.

A partir desse contato com o patrimônio arqueológico, o grupo de mulheres da região passou a desenvolver cerâmicas artesanais inspiradas nos grafismos e nas formas encontradas nos achados. Em 2013, a criação da Cooperativa Mulheres de Barro formalizou e expandiu o alcance da atividade, tornando-a uma referência regional em cultura, identidade e geração de renda.

Para Sandra Santos, presidente da cooperativa, o grupo nasceu de um despertar coletivo para a importância de criar um artesanato com identidade própria — algo que refletisse a história do território e a força das mulheres da região.

Sandra Santos, presidente da cooperativa
Sandra Santos, presidente da cooperativa

“Tudo começou em 2003, quando participamos de uma feira em Belém, a convite do Estado e do Sebrae. Lá, percebemos que nosso artesanato ainda era muito comum, baseado em revistas, peças industrializadas, panos de prato, crochê… Vimos outras formas de fazer, com matéria-prima natural, grafismos e histórias ligadas ao território. Voltamos com a certeza de que precisávamos construir um artesanato com a cara do nosso município”, relembra.

Esse desejo encontrou respaldo no processo de educação patrimonial conduzido pelo Museu Goeldi. Durante seis anos, as integrantes do grupo participaram de oficinas e aprendizados técnicos em cerâmica e grafismos arqueológicos. Também passaram a incorporar materiais da própria região às peças — como ferro e manganês —, aprofundando ainda mais o vínculo com o território.

“Os achados arqueológicos vieram impregnados de informação estética. Aprendemos a fazer cerâmica, aplicar os grafismos antigos nas peças contemporâneas e usar os minérios da região na coloração. Isso deu mais identidade e valor cultural ao nosso trabalho”, completa Sandra.

Hoje, além da produção e comercialização das peças, a Cooperativa Mulheres de Barro oferece oficinas de arte e cultura, formações em gestão cultural, participa de feiras e exposições e mantém uma loja colaborativa que reúne artesãos e artistas plásticos de Parauapebas. O grupo se tornou um símbolo de como o empreendedorismo coletivo feminino pode transformar realidades e preservar histórias por meio da arte.

Iniciativas de Mel e Pimenta na Amazônia

Outra iniciativa que tem gerado renda é a Associação Filhas do Mel da Amazônia (AFMA), que atua com produção de mel tanto da apicultura tradicional quanto da meliponicultura — com abelhas sem ferrão nativas da região. A iniciativa combina geração de renda com preservação ambiental, oferecendo experiências turísticas e educativas.

Há 12 anos à frente da Associação Filhas do Mel da Amazônia (AFMA), Ana Alice reforça que o trabalho com abelhas vai muito além da produção de mel. Para ela, cuidar das abelhas é também um ato de resistência e proteção ambiental.

“Nossa associação nasceu de um sonho. Já trabalhávamos com mel, mas por uns três ou quatro anos atuamos de forma autônoma. Depois, sentimos a necessidade de nos organizar e criar a AFMA. Agora, nosso novo sonho é legalizar nossos produtos e conseguir o registro para vendê-los formalmente no mercado”, afirma.

Ana relata que, ao longo da trajetória, o grupo enfrentou muitos desafios — principalmente relacionados aos impactos ambientais, como o uso de agrotóxicos e as queimadas frequentes na região.

“O trabalho com as abelhas me trouxe muitos benefícios pessoais, além da satisfação de cuidar delas. É muito triste ver tantas abelhas morrendo. Já tivemos muitos prejuízos por conta de venenos usados nas plantações e pelas queimadas, que atingem nossa área todos os anos. Mesmo assim, seguimos lutando, fazendo o possível para protegê-las.”

Segundo ela, preservar as abelhas nativas é essencial não só para o equilíbrio ambiental, mas também para fortalecer o conhecimento tradicional e garantir a sustentabilidade das comunidades locais.

Durante as visitas, turistas e moradores conhecem de perto as colmeias, experimentam o mel direto do favo e aprendem sobre as abelhas e seu papel nos ecossistemas locais, sob orientação de uma das mulheres da associação.

Diamante Negro da Amazônia: pimenta com propósito e sustentabilidade

Criada pelas irmãs Thainara e Taise Vasconcelos em Parauapebas (PA), a startup Diamante Negro da Amazônia surgiu com a missão de transformar a cadeia produtiva da pimenta-do-reino por meio de práticas sustentáveis. A iniciativa nasceu dentro do programa Inova Up, promovido pela Fundação Vale, que estimula o empreendedorismo com impacto ambiental positivo.

Thainara explica que a proposta da startup surgiu a partir da escuta ativa de produtores locais e da busca por soluções que atendessem a desafios reais da região.


“A Dinan é uma startup de impacto que atua em toda a cadeia da pimenta-do-reino — desde a implantação de SAFs (Sistemas Agroflorestais) até o escoamento da produção. A ideia nasceu dentro do programa Inova Up, da Vale, que nos desafiou a olhar para os problemas ao redor e pensar em soluções sustentáveis. Em conversas com produtores, identificamos que o cultivo tradicional envolvia o desmatamento, com a derrubada de árvores. A partir disso, buscamos uma alternativa validada pela Embrapa, utilizando a árvore gliricídia no sistema produtivo.”

Além de promover boas práticas agrícolas, o projeto também tem conseguido sensibilizar consumidores quanto ao valor agregado da produção sustentável. “Estamos conseguindo levar ao público um produto que é não só ambientalmente responsável, mas também mais saboroso. A pimenta produzida nesse modelo tem 15% mais piperina, segundo a Embrapa, o que garante mais aroma e sabor. A aceitação do mercado tem sido muito positiva”, completa Thainara.

A startup oferece assistência técnica e capacitação a produtores locais, incentivando o uso de tecnologias sustentáveis e métodos que aumentam a qualidade da produção sem comprometer os recursos naturais.

Bioparque Vale Amazônia: biodiversidade viva no coração de Carajás

No coração da Floresta Nacional de Carajás, em Parauapebas (PA), o Bioparque Vale Amazônia preserva uma amostra viva da riqueza natural da Amazônia. Inaugurado em 1985, o espaço se firmou como um dos principais centros de pesquisa, conservação e educação ambiental do país.

Bioparque Vale Amazônia preserva uma amostra viva da riqueza natural da Amazônia
Bioparque Vale Amazônia preserva uma amostra viva da riqueza natural da Amazônia. Foto: Carla Azevedo

Com 30 hectares — dos quais 70% são de floresta nativa preservada — o parque abriga 29 recintos e mais de 360 animais, representando cerca de 60 espécies da fauna amazônica. Entre os destaques estão as onças-pintadas e aves emblemáticas como a ararajuba, o urubu-rei e a harpia, todas com registros de nascimento no local. Outro atrativo é o viveiro de imersão, onde os visitantes convivem de perto com mais de 86 aves de 24 espécies.

O médico-veterinário Nereston Camargo, que atua na equipe do Bioparque, destaca a importância do trabalho de conservação feito com espécies ameaçadas.

“O parque abriga 60 espécies de animais, entre mamíferos, aves e répteis, em 29 recintos. Só de primatas, são 14 espécies — algumas endêmicas da região, o que torna seu cuidado ainda mais crítico”, explica Nereston.

Um dos casos mais sensíveis é o do sagui-de-coleira, considerado uma das 25 espécies de primatas mais ameaçadas do mundo.

“Essa espécie ocorre apenas em Manaus e arredores, e o desmatamento está colocando sua sobrevivência em risco. Aqui, mesmo quando os animais chegam com lesões irreversíveis, conseguimos oferecer bem-estar e, em alguns casos, permitir que eles se reproduzam. Os filhotes, por exemplo, podem ter chance de voltar à natureza e ajudar na conservação da espécie”, completa.

O trabalho também se estende a aves como a ararajuba, ave símbolo do Brasil e alvo frequente do tráfico de animais silvestres.

“Os filhotes nascidos aqui são encaminhados para projetos de reintrodução, como o do Parque do Utinga, em Belém. Lá, eles aprendem a voar, caçar e se alimentar sozinhos antes de serem devolvidos à natureza”, destaca Nereston.

Com cerca de 190 mil visitantes por ano, o Bioparque também atua como espaço de educação ambiental. Conta com centro de visitantes, sala de exposições, orquidário e trilhas educativas que aproximam a população da floresta e despertam a consciência para sua preservação.

Além da fauna, o Bioparque Vale Amazônia guarda um acervo valioso da flora amazônica em seu herbário, com mais de 16 mil espécies catalogadas. O espaço é reconhecido internacionalmente, indexado pelo The New York Botanical Garden, e integra a Rede Brasileira de Herbários. Junto ao herbário da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM), é um dos únicos da mesorregião sudeste do Pará, sendo parte da rota internacional de pesquisa científica.

Mais do que um centro de visitação, o Bioparque Vale Amazônia é uma vitrine da biodiversidade brasileira e um laboratório vivo para proteger o futuro da floresta.

Compromissos e Projetos Sustentáveis

  • Programa Climático e Energia Sustentável
    Compromete-se a reduzir em 33% suas emissões de escopos 1 e 2 até 2030, tornar-se carbono neutra em 2050 e cortar 15% das emissões de escopo 3 até 2035
    Nos planos estão usar 100% de energia renovável no Brasil até 2025 (e globalmente até 2030) e melhorar a eficiência energética em 5% até 2030
  • Mineradora S11D: tecnologia e ecoeficiência
    O projeto S11D (Serra Sul) em Carajás é um exemplo de mineração de ponta:
    Utiliza sistema transportador sem caminhões (truckless), evitando os tradicionais queima de combustível. Com o uso de caminhões autônomos
    Reaproveitamento de 86% da água, sem barragem de rejeitos, e redução de emissões de CO₂
    O Fundo Vale apoia startups focadas em tecnologia socioambiental, bioeconomia, restauração florestal, entre outras, e integra o ecossistema do Cubo Itaú para gerar soluções colaborativas
    O Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS), com sede em Belém (PA), pesquisa em biodiversidade, serviços ambientais, recursos hídricos.