Luiza Mello
A contaminação por mercúrio não afeta apenas a população que vive em áreas de garimpo na Amazônia e no Centro-Oeste. De acordo com estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os peixes que chegam à mesa de brasileiros que vivem nos principais centros urbanos da região Norte estão contaminados por mercúrio.
Os piores índices foram registrados em Roraima, onde 40% dos peixes têm mercúrio acima do limite recomendado. No Acre o índice é de 35,9%. Pará (15,8%) e Amapá (11,4%), registram os menores indicadores de contaminação, mas não estão livres dos riscos à saúde humana.
Os resultados mostram que os peixes de todos os seis estados amazônicos apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável – maior ou igual a 0,5 microgramas por grama – estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Na média, 21,3% dos peixes comercializados nas localidades e que chegam à mesa das famílias na região Amazônica têm níveis de mercúrio acima dos limites seguros”, destacou a Fiocruz, por meio de nota, ao destacar que, em todas as camadas populacionais analisadas, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada.
Amostras foram coletadas em importantes feiras e mercados do Norte, como o mercado Ver-O-Peso, em Belém; e a Feira da Manaus Moderna (AM)
No município citado como mais crítico, Rio Branco, a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental do governo norte-americano.
No Pará foram coletadas amostras em seis municípios. O maior nível de contaminação entre os municípios paraenses está em São Félix do Xingu (29,41%), em seguida destaque para Itaituba (21,13%), Oriximiná (14,08%), Altamira (13,95%), Belém (8,57%) e Santarém (7,14%). Dois municípios do Amazonas – Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira – apresentam 59% de contaminação nas amostras.
Em 17 municípios dos seis estados analisados, foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, simulando o dia a dia dos consumidores locais.
Do total geral da amostra, 110 eram peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores que as espécies não-carnívoras. A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não carnívoros. Por isso, o estudo faz uma indicação de consumo para as principais espécies de peixes amostradas, considerando o nível de contaminação e a localidade.
A estimativa de consumo de pescado por pessoa baseou-se no relatório sobre o consumo de pescado na região Amazônica do Brasil, com média per capita de 100 gramas de pescado por dia em ambientes urbanos. Foram avaliados ainda o cálculo da razão de risco (RR), que indica o potencial de danos à saúde provocado pelo consumo do pescado contaminado, e a avaliação de risco à saúde.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil. O levantamento buscou avaliar o risco à saúde humana em função do consumo de peixes contaminados.
Altamente tóxico, o mercúrio é usado por garimpeiros que atuam ilegalmente na Amazônia durante a exploração de ouro, principalmente em territórios indígenas, como a Terra Yanomami. O metal é utilizado para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo “limpo”.
Depois desse processo, o mercúrio é despejado no ambiente e, sem qualquer cuidado, se acumula nos rios e entra na cadeia alimentar por meio da ingestão de água e peixes.
A presença do mercúrio no organismo humano pode causar problemas de saúde que afetam o sistema nervoso, sendo mais grave o consumo por grávidas, por sua interferência na saúde do bebê, e para crianças
“As mulheres em idade fértil – público mais vulnerável aos efeitos do mercúrio – estariam ingerindo até nove vezes mais mercúrio do que a dose preconizada; enquanto crianças de 2 a 4 anos, até 31 vezes mais do que o aconselhado”, alertou a Fiocruz.
Em Roraima, segundo estado considerado mais crítico, a potencial ingestão de mercúrio extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência.
“Considerando os estratos populacionais mais vulneráveis à contaminação, mulheres em idade fértil estariam ingerindo até oito vezes mais mercúrio do que a dose indicada e crianças de 2 a 4 anos, até 27 vezes mais do que o recomendado”, revela o estudo.