No final de 1833, a Corte enviou um novo presidente para a província do Grão-Pará, Bernardo Lobo de Souza, que subindo ao poder promoveu a perseguição aos cidadãos que se recusavam a aceitar os privilégios e atos favoráveis aos portugueses. Eles eram considerados os radicais da província e, eram: fazendeiros, lavradores, pequenos comerciantes, tropas militares de tapuios e outros “patriotas” liderados pelo cônego Batista Campos. Lobo de Souza empreendeu perseguição direta a este cônego que, depois de uma tentativa de levante em Belém, refugiou-se na fazenda de Félix Clemente Malcher.
Impopular, Bernardo Lobo de Souza permaneceu presidente do Grão-Pará até a madrugada do dia 7 de janeiro de 1835, quando por volta das duas horas da manhã, cerca de quarenta a cinquenta homens – que se autoproclamavam “patriotas” – invadiram as ruas de Belém sob o comando de Antonio Vinagre, formando duas amplas frentes de combate, uma sob o comando dele tomou o quartel dos Corpos de Caçadores e Artilharia. A segunda coluna de cabanos foi chefiada por João Miguel Aranha, deslocou-se para o Palácio do Governo em perseguição ao Comandante de Armas, Joaquim José da Silva Santiago e ao Presidente da Província, Bernardo Lobo de Souza.
A morte destas duas autoridades foi tramada por meses. Foi executada de fato somente na madrugada do dia 7 de janeiro, quando o coronel Santiago acordou com os tiros e os alvoroços nas ruas. Tentou fugir do Palácio da Presidência (atual Palácio Lauro Sodré e Museu do Estado do Pará), mas ao chegar no Largo de São João recebeu um tiro certeiro de Felipe Mãe-da-Chuva, fazendo-o cair morto no chão.
O Presidente Bernardo Lobo de Souza tinha ido visitar a sua amante, a viúva Maria Amália. Acordou com os tiros e a confusão pública, correu de casa em casa sem saber para onde devia ir ou que atitude tomar. Decidiu que iria para os rumos do Palácio.
Quando chegou na porta do edifício, disse: “Meus patrícios se a pátria está em perigo, aqui tendes mais um soldado para defendê-la”. Ouvindo o governador, a multidão parou e, ficou em posição respeitosa, dando a entender que aceitariam o retorno de Lobo de Souza. No momento em que ele ia subindo as escadas, o líder João Miguel Aranha surgiu entre a multidão cabana e deu uma palavra de ordem aos cabanos: “Aí está o Malhado!”.
“Malhado” era o apelido popular de Lobo de Souza, que saídas da boca do líder cabano, fizeram o tapuio Domingos Onça abater o presidente com um tiro certeiro. Após terem matado as autoridades maiores da província, os cabanos em festa tomaram o Palácio da Presidência, cercaram o Arsenal de Guerra, e de lá foram fazer a libertação dos presos na Fortaleza da Barra, onde estava o mentor cabanos Félix Clemente Malcher.
Enquanto isso, os corpos do Presidente Lobo de Souza e do Comandante das Armas Santiago jaziam estirados no chão. Morto, Santiago recebeu coronhadas e golpes de baionetas. Já o cadáver de Lobo de Souza seguiu sendo decepado pela multidão, sujeitos ao expurgo de uma população que, os condenavam novamente à morte com todo o tipo de insultos. Aclamado presidente cabano, Félix Antonio Clemente Malcher deu a ordem para que os dois corpos fossem sepultados na Igreja das Mercês, explica Magda Ricci, pesquisadora especialista em Cabanagem.
A época mais violenta da Cabanagem foi a que se seguiu à tomada do poder, ocasião em que os principais chefes tentaram organizar o comando do governo revolucionário, mas, apesar das tentativas, entre janeiro e julho de 1835, os presidentes não conseguiam controlar as massas cabanas, apesar das tentativas de equilíbrio entre a manter alguma ordem e o radicalismo revolucionário, uma vez que, existiam várias ramificações dentro da Cabanagem.
Malcher foi deposto e morto em fevereiro de 1835 por Francisco Pedro Vinagre. Vinagre, por sua vez, acabou se tornando um presidente impopular quando permitiu que o presidente legalista Manuel Jorge Rodrigues, enviado do Rio de Janeiro, instalasse seu governo em Belém e tomasse posse em 26 de julho de 1835. O fato levou a novos combates, que apesar do pedido de Francisco Vinagre, as ramificações cabanas não se desarmavam e reagiram em vários grupos.
Perdido o controle, Vinagre acabou deposto pelos cabanos, que não largaram as armas, temeram enfrentar um tribunal. Muitos se tornaram-se mais radicais e fugiram para o interior para se preparar estrategicamente para novos combates.
Levaram muitas armas e munições. Assumiu Eduardo Nogueira Angelim como o terceiro presidente do movimento, um cearense que reanimou o sentimento revolucionário dos cabanos ao comandar a retomada de Belém em 13 agosto de 1835. Aclamado novo chefe, sob a liderança de Angelim as colunas cabanas aquartelaram-se no engenho do Murucutu, onde navegando através do igarapé Murucutu, se deslocavam com rapidez entre o engenho e Belém.
A retomada da cidade iniciou no dia 14 de agosto de 1835 com a incursão chefiada por Antonio Vinagre contra o Arsenal de Guerra, que funcionava no Convento dos Mercedários. Antonio Vinagre foi morto próximo ao Convento dos Mercedários por uma bala disparada do Arsenal de Guerra. Avisado, Angelim incitou ânimo aos combatentes cabanos para que continuassem as lutas. Quase no fim da noite, ordenou o recuo.
A madrugada foi consumida com as colunas cabanas tratando dos feridos e enterrando os mortos. No dia 15 de agosto, os cabanos voltaram novamente ao ataque, mas sem sucesso. O Arsenal de Guerra não se rendia. Manuel Jorge Rodrigues não tinha mais condições de combater os cabanos por causa das muitas mortes e deserção dos seus soldados. O Arsenal de Guerra era a única fortificação que ainda resistia aos cabanos. Mas, os soldados que resistiam acabaram vencidos e fugiram.
O Marechal Manuel Jorge Rodrigues, diante da derrota, optou por bater em retirada em 23 de agosto de 1835, deixando que os cabanos tivessem vitória. Tomaram Belém completamente e estabeleceram Eduardo Angelim como o terceiro governante cabano da província do Pará.
Afinal: Quem eram os cabanos? Quais os motivos das suas lutas? Magda Ricci explica que, no primeiro momento a motivação era a morte da elite local, composta por portugueses e maçons. Cidadãos portugueses, seus descendentes e aliados. À medida que a revolução avança torna-se plural, multifacetada e radical.
Suas raízes datavam da década de 1820 e 1830, quando jornais e pessoas de sentimento independentistas: Felipe Patroni, o cônego João Baptista Gonçalves Campos, senhores brancos, e os populares: negros escravizados, indígenas, mestiços, aderiram a muitos projetos separatistas de Portugal. Foi época de golpes nas juntas de governo, lutas dos negros contra a escravidão, lutas pelo direito a terra, lutas contra o recrutamento militar, guerras políticas locais sufocadas através de repressões violentas a exemplo do Massacre do Brigue Palhaço em 1823.
Traumas sociais foram a consequência desse processo. Traumas que se tornaram radicais multifacetadas e profundas insatisfações populares, que diante da exclusão social vivida pelas populações livres pobres, de médias posses, mulheres, negros escravizados, indígenas, mestiços, quilombolas e ribeirinhos, fomentou nessas populações os sentimentos de revolta que desaguaram na Cabanagem, a revolução das “classes ínfimas”, que tomou a cidade de Belém a partir do 7 de janeiro de 1835, tornando-a um epicentro de insurreições pelas vilas, sertões, fronteiras e caminhos fluviais da região amazônica.
Texto de autoria de Kelly Chaves Tavares
Historiadora e Professora. Mestra em História Social da Amazônia (PPHIST/UFPA).
É Doutoranda na mesma instituição e é autora do livro “Padre Eutíquio: clérigo, maçom e político no Pará do século XIX” (Editora Dialética, 2022).