Pará

A solução que vem da terra

Tanto quanto as vegetações, o solo exerce papel fundamental na busca medidas que possam ajudar a combater as mudanças climáticas.
Tanto quanto as vegetações, o solo exerce papel fundamental na busca medidas que possam ajudar a combater as mudanças climáticas.

Cintia Magno

Tanto quanto as vegetações, o solo exerce papel fundamental na busca medidas que possam ajudar a combater as mudanças climáticas. A depender de como as diferentes funções do solo são utilizadas, é possível manter a maior sustentabilidade da terra, objetivo que vem sendo alcançado a partir de técnicas inovadoras de uso do solo desenvolvidas através por universidades e institutos através do desenvolvimento de pesquisas científicas.

O agrônomo, doutor em ciências do solo e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Capanema, Daniel Pinheiro, lembra que quando se refere à agricultura, o solo possui a função primordial de fornecer nutrientes para as plantas, além de ser responsável por armazenar e purificar a água da chuva que cai sobre a superfície e infiltra no solo e de possuir a capacidade de armazenar carbono, se comportando como um grande aliado contra as mudanças climáticas.

“Dependendo da forma como se está utilizado o solo, podemos manter a sustentabilidade dele, ou, levá-lo à deterioração, que chamamos de degradação do solo. Por isso, o uso de práticas ou técnicas de melhor uso do solo são importantes para que o solo exerça suas funções ecológicas adequadamente, para que possamos produzir alimentos cultivados no solo, e aproveitar da água que o solo armazena e purifica”.

Daniel lembra que, atualmente, existem diversas técnicas de manejo do solo que buscam essa sustentabilidade, mas ele cita uma em especial.

“Especificamente no Brasil, que é um país de clima tropical, posso destacar o uso do sistema de plantio direto como a principal técnica sustentável de manejo do solo. Nesse sistema, o revolvimento do solo é quase ausente, em cultivos de espécies de grãos como milho e soja, somente a linha de plantio é revolvida superficialmente pela máquina semeadora”, esclarece.

“A prática do intenso revolvimento do solo é muito prejudicial ao solo, porque as partículas de solo são pulverizadas e mais suscetíveis à compactação do solo, além disso, ocorre o que chamamos de oxidação da matéria orgânica do solo (semelhante a uma queima), e lembra que a matéria orgânica é formada por carbono, e se queimamos a matéria orgânica do solo, esse carbono é liberado para a atmosfera e contribui para as mudanças climáticas”.

Outro benefício do sistema de plantio direto apontado pelo agrônomo é que ele proporciona o aumento da matéria orgânica do solo porque, para praticar essa técnica, necessita-se fazer a chamada rotação de culturas. “A rotação de culturas consiste em cultivar sequencialmente espécies de vegetais que, após a colheita, os seus resíduos (palhada) formam uma espessa massa de biomassa vegetal que cobre o solo, e que após a decomposição dessa palhada aumenta os teores de matéria orgânica e carbono do solo”, explica Daniel Pinheiro. “Ao longo de anos de pesquisa, a ciência agronômica descobriu que a matéria orgânica é a chave da sustentabilidade dos solos tropicais. Assim, qualquer técnica que aporte resíduos orgânicos no solo (adubação orgânica, compostagem, rotação de culturas), contribuirá para aumentar os teores de matéria orgânica do solo”.

O professor cita que um exemplo de produto inovador que vem sendo utilizado na região é o biochar, produto produzido a partir de um tipo de queima da biomassa vegetal com baixos teores de oxigênio, originando um produto com elevados teores de carbono e muito estável.

“Ele tem sido aplicado no solo para melhorar as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. E se o solo está saudável, ele proporcionará as melhores condições para o desenvolvimento das plantas”, considera, ao destacar que muitas dessas técnicas de plantio, uso de fertilizantes, escolha de novas espécies de plantas são geradas e testadas nas universidades, para depois ser aplicada no campo.

“Um exemplo é o uso de biochar oriundo de caroços de açaí para melhoria do solo e a qualidade de mudas de cupuaçu, é que uma pesquisa do grupo de pesquisa em fertilidade e manejo do solo está conduzindo na Universidade Federal Rural da Amazônia”.

CONDIÇÕES

Na medida em que o solo se configura como um grande repositório nutricional e estrutural dos cultivos agrícolas, o chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymário Lemos, considera que o conjunto de práticas que buscam ofertar condições adequadas para que esse solo expresse o melhor da sua fertilidade passa, obrigatoriamente, pela adoção de práticas de conservação e cuidado, assim como práticas de bom uso.

“São as chamadas tecnologias ‘poupa terra’, que tem a grande proposta de buscar estratégias em que se utilize uma menor área, com práticas mais eficientes e, portanto, mais sustentáveis sobre as perspectivas ambientais e econômicas. Naturalmente, o cuidado do solo passa a ser algo cada vez mais buscado por ser aquela estrutura que vai apoiar o desenvolvimento de uma agropecuária moderna e sustentável e para isso nós precisamos de solos sadios sobre a perspectivas químicas, biológicas e muito bem estruturados”.

Walkymário destaca que, diante dessa busca, tem-se conseguido avançar cada vez mais no conhecimento de novas técnicas e práticas que busquem ofertar indicadores de sustentabilidade do uso do solo. Avanço este impulsionado pela pesquisa científica.

“A pesquisa científica tem, cada vez mais, buscado ofertar sistemas em que as práticas adotadas resguardem a saúde do solo, através de adoção de inovações do tipo incorporação de material orgânico, incorporação de bioinsumos que sejam capazes de disponibilizar nutrientes, tornando a captura desses nutrientes pelas plantas mais eficiente”, avalia.

“A gente acredita que a pesquisa científica tem sido um grande vetor dessa transformação, funcionando como uma grande locomotiva a partir dos conhecimentos que são gerados nas academias, nos institutos de pesquisa, onde a preocupação ambiental passa, obrigatoriamente, pela preocupação com a qualidade do solo, uma vez sendo esse espaço o grande repositório da riqueza química, que nós desejamos que reflita em qualidade física e biológica do local onde nós iremos desenvolver práticas agrícolas que precisam ser ambientalmente amigáveis e, por isso, sustentáveis”.

Entre os exemplos de práticas hoje possibilitadas a partir do desenvolvimento da ciência, Walkymário cita algumas desenvolvidas pela própria Embrapa.

“Em termos de tecnologias ou práticas ambientalmente sustentáveis para a saúde do solo, a Embrapa vem desenvolvendo algumas tecnologias reconhecidamente importantes, dentre elas nós podemos citar as práticas de enriquecimento do solo através da incorporação de plantas adubadeiras, que ofertam nutrientes, principalmente orgânicos; a prática de ciclagem de nutrientes através da incorporação de micro-organismos, bactérias capazes de desmobilizar nutrientes para as plantas que estão muitas vezes indisponíveis, como é o caso do fósforo”, enumera.

“Nós também temos práticas, onde substitui-se tutores de pimenta-do-reino por uma espécie de planta chamada Gliricidia. Essa tecnologia do uso de tutor vivo, ao utilizar a planta e incorporar o seu excedente ao solo, também melhora a qualidade química e física do solo, trazendo, portanto, indicadores de sustentabilidade; assim como a proposição e desenvolvimento de sistemas integrados de produção, dentre os quais podemos citar Sistemas de Integração Lavoura Pecuária Floresta e os Sistemas Agroflorestais, onde a diversificação traz, comprovadamente, melhorias químicas, físicas e biológicas para o solo”.