Irlaine Nóbrega
Marcado por histórias de fé, o Museu do Círio possui um rico acervo documental que retrata as memórias de devoção do povo paraense. Localizado no Complexo Feliz Lusitânia, o espaço reúne os principais símbolos que marcaram a trajetória dos 230 anos de uma das maiores celebrações religiosas do mundo. Peças de cera, brinquedos de miriti e o manto de Nossa Senhora de Nazaré são alguns dos artigos que recontam o passado e estabelecem a realidade das procissões marianas realizadas em outubro. A visitação pode ser feita de terça a domingo, das 9h às 17h, com entrada gratuita.
Criado em 9 de outubro de 1986, pelo então governador Jader Barbalho, o Museu do Círio tem a finalidade de proporcionar o reconhecimento não somente da memória das procissões, mas de uma parte da história cultural da população paraense. Por isso, a exposição dos elementos mais recorrentes e, até mesmo, inusitados nas romarias estão carregadas de simbolismo próprio da identidade de um povo a partir da fé. “A gente quer proporcionar que as pessoas não venham apenas para a procissão, mas que elas possam conhecer um pouco mais. O Museu do Círio conta a história dessa, que além da maior manifestação religiosa do nosso estado, é o maior expoente cultural da região Norte”, disse o Secretário de Estado de Cultura (Secult), Bruno Chagas.
Com a expectativa de 50 mil turistas de fora do estado durante o Círio 2022, a exposição pretende alcançar, também, o público visitante. “O Museu do Círio tem o objetivo de dar esses elementos para que os turistas possam ver, por exemplo, um ex-voto, uma perna de miriti, uma casa e saber porque as pessoas estão levando aquilo. A pessoa pode imaginar que é uma promessa, constatar que aquilo tem um significado, mas muitas vezes a gente vê uma coisa inusitada que a pessoa faz e leva para agradecer. Os turistas têm essa necessidade de se informar e conhecer e a gente está justamente aqui para isso”, disse Bruno Chagas.
No momento, a exposição faz parte da programação da Primavera de Museus, ação anual coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). Em outubro, a Secult vai realizar o “Preamar do Círio”, evento voltado para a celebração do período mariano. Para receber os visitantes, o museu ainda conta com uma equipe capacitada da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) que deve proporcionar o acesso a informações sobre os artigos expostos.
“Nós temos uma equipe do corpo da própria Secretaria, terceirizados, servidores e o próprio diretor do Museu que estarão recebendo o público, inclusive em relação a acessibilidade. Durante o Preamar do Círio para trabalhar a questão da acessibilidade e incorporar todas as pessoas que queiram fazer a visitação desse espaço”, garantiu o Secretário de Cultura do Estado.
Procissão mobiliza vida cultural da sociedade
Um pedaço da corda, brinquedos de miriti, ex-votos (artigos de cera de promessas cumpridas), o manto de 200 anos de Círio de Nazaré, além da exposição de imagens das manifestações que revelam o lado “profano” da festividade são alguns dos materiais que podem ser observados durante a visitação. A exposição permanente foi pensada em 2010 no intuito de apresentar o Círio como patrimônio cultural imaterial brasileiro.
De acordo com o diretor do Museu do Círio, o antropólogo e pesquisador Ancelmo Paes, a mostra apresenta a festividade a partir da vivência de cada participante, o que compõe, de parte em parte, toda uma nova experiência sobre o Círio. “Quem é paraense sabe tudo sobre o Círio porque sempre fez parte da paisagem da nossa memória. Porém, exatamente pelo fato que nós estamos muito familiarizados com o Círio, nem sempre nós vivemos o Círio a partir da sua integralidade, mas sim a partir das nossas históricas e caminhos. Aqui, na verdade, você vai encontrar vários Círios, o do promesseiro, do escultor ou artesão do miriti que faz a sua venda no arraial, nas praças, você vai encontrar o Círio vivido pela Festa da Chiquita. Nós temos muitos Círio que se encontram no Museu do Círio”, afirmou.
“A intencionalidade do museu é focar não só nos elementos religiosos, mas trazer como o Círio mobiliza a vida cultural na nossa sociedade. Então, temos o brinquedo de miriti, nós temos o arraial, o Auto do Círio, o Arrastão do Pavulagem, a Festa da Chiquita, vários elementos que talvez não entrem na análise religiosa do Círio, mas que são sagradas a partir de uma participação festiva do povo. É para demonstrar como ele mexe com a cidade, como mobiliza as pessoas. Dentro das procissões brasileiras, ela é uma que tem essa capacidade de fazer a cidade parar, de fazer a cidade se movimentar em torno dela. Isso é uma característica única do Círio de Belém do Pará”, ressaltou o antropólogo.
Com origem de uma tradição portuguesa, o Círio foi abraçado e remodelado de acordo com as tradições dos povos amazônidas a partir de 1793, quando aconteceu a primeira procissão. Por isso, a exposição também busca retratar essa convergência de culturas e identidades. “O Círio e o Museu do Círio apresentam essa perspectiva de diversidade. Aqui não temos somente a origem portuguesa que está muito presente no formato do catolicismo, mas temos também todos os elementos que foram construídos pelas populações indígenas e negras que se introduziram na devoção popular, na maneira muito específica de lidar com Nossa Senhora de Nazaré, inclusive com participação de comunidades afro religiosas na procissão”, explicou Ancelmo Paes.
“O Círio se torna, de fato, uma procissão da Amazônia. Um dos elementos mais fortes disso é a imagem peregrina quando ela adquire uma feição cabocla. Os cartazes trazem essa marca da Amazônia, os ex-votos, muitos barcos, muita simbologia relacionada as águas que nos cercam. O Círio, quando chega aqui, vai se comunicar através da paisagem, da nossa vida e da nossa necessidade. Ele vai se tornar um Círio convergente”, finalizou o pesquisador.
SERVIÇO:
Museu do Círio
Endereço: Complexo Feliz Lusitânia, Cidade Velha (ao lado da Igreja Santo Alexandre)
Dias: terça a domingo
Horário: 9h às 17h
Entrada: Gratuita