VOCÊ EMPREENDEDOR

A moda é ser sustentável e regional

Descubra a história de uma família que encontrou no seringô uma oportunidade única de negócio sustentável.

Conheça a história da empresa de produção de borracha que atua há décadas na Amazônia e que nos últimos anos transforma o produto em calçados, a partir do trabalho de capacitação de seringueiros
Conheça a história da empresa de produção de borracha que atua há décadas na Amazônia e que nos últimos anos transforma o produto em calçados, a partir do trabalho de capacitação de seringueiros

A segunda matéria da 4ª edição do projeto “Você Empreendedor”, que o DIÁRIO DO PARÁ desenvolve para mostrar que participar da COP30 como empreendedor pode ser uma oportunidade única para contribuir com soluções sustentáveis e inovadoras para os desafios ambientais globais, fala um pouco da trajetória de uma família sulista que veio ao Norte atuar com seringueiros, e no Pará desenvolveu uma marca a partir de tecnologia verde, sustentável e própria, que passou a signficar renda e proteção da floresta a milhares de famílias.

O termo é novo, mas o trabalho pela busca de desenvolver tecnologias a partir de todo o potencial existente na floresta amazônica é antigo, tem décadas de história. Um desses casos é o da Seringô, por exemplo, uma startup com sede em Castanhal dedicada a produção de calçados, e que alia design, conforto e inovação à possibilidade de transformar a vida de comunidades que mantém a Amazônia de pé.

E segundo o próprio CEO da marca, foi justamente a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-Rio, em 1992, que deu uma guinada na história do negócio, que à época ainda estava começando.

O empreendedor social Francisco Samonek se apresenta como paranaense de nascimento e amazônida de coração, já que atua na região há 40 anos. Ele conta que a história da Seringô se confunde com a história de sua própria família, que ainda na década de 80 sai do extremo Sul para o extremo Norte, do Paraná para o Acre, com o objetivo de iniciar um projeto de heveicultura, ou seja, de plantio racional de seringueiras com apoio de uma política pública do governo federal da época.

Esse era o plano e estava tudo certo, porém o Governo Collor, em 1989, extinguiu essa linha de ação. É quando eles iniciam um trabalho junto aos seringueiros, aproveitando o potencial dos seringais nativos de floresta. Sua primeira cooperativa tinha uma usina de borracha que produzia 100 toneladas por mês de um tipo usado para produção principalmente de pneus. Nem Francisco sabia, mas começava ali a história da Seringô.

“Com o fim da política pública da borracha na Amazônia, desenvolvemos, nos anos 90, a pré-vulcanização artesanal do látex de campo, processo que inicialmente, em 2003, foi registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o Inpi, como patente e concedida em 2013, e, posteriormente em 2007 virou tecnologia social, certificada e premiada pela Fundação Banco do Brasil (FBB), permitindo aos seringueiros transformar o látex na sua própria unidade produtiva familiar, em produtos de mercado, como o artesanato, no formato de utilidades domésticas e biojoias”, resume Francisco.

O CEO da marca conta que, em meio a esse trabalho, ocorre a Eco-92 e isso estimula a família a desenvolver um projeto ambiental olhando para as milhares de famílias de seringueiros que só sabiam produzir borracha e que foram abandonadas à sua própria sorte no meio da floresta, sem alternativas de trabalho e renda.

Então em 1998 nasce o Poloprobio, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que até hoje desenvolve tecnologias sociais e capacita os seringueiros a produzir uma borracha de melhor qualidade. A iniciativa agregou valor na base produtiva, gerando renda e empoderando seringueiros, para que eles possam proteger a floresta, mantendo-a em pé.

“Dentro desse conceito, ainda na década de 1990, foram produzidos tecidos emborrachados, denominados de couro ecológico. Na década seguinte, o tecido utilizado para emborrachamento foi substituído por fibras vegetais (pó de madeira e caroço de açaí micronizado) que misturadas ao látex, geram linhas diversificadas de artesanato”, detalha Samonek.

Todo esse trabalho também foi vertido em conhecimento científico, incluindo uma dissertação de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, na Universidade Federal do Acre e projetos executados com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

O Poloprobio conquistou ainda dois prêmios Samuel Benchimol (2006 e 2018), quatro prêmios Finep de Inovação (2007, 2008 e 2013), Prêmio Equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2008), Prêmio ODM-Brasil (2010), Prêmio Melhores Negócios pelo Clima da Climate Venture (2018), Prêmio Melhores Práticas em gestão Local da Caixa Econômica Federal (CEF, 2018).

Neste período foram capacitadas 3,5 mil pessoas, com projetos financiados pelo CNPq, Finep, Sebrae, Petrobras, CEF, FBB e governo do estado do Pará, via Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca (Sedap).

Mudança para o Pará

Em 2010 eles deixam o Acre e vem para cá em busca de mais espaço e abrangência de trabalho. As unidades coletivas de mulheres que produziam artesanato foram alteradas para unidades familiares, e o homem também foi incluído no processo produtivo, colhendo o látex, cedendo parte para o restante da família, esposa e filhos, especialmente as mulheres, produzirem o artesanato (utilidades domésticas e biojoias).

O excedente passou a ser transformado em uma borracha ecológica, tecnologia social desenvolvida e certificada pela Fundação Banco do Brasil em 2021. “E é essa borracha ecológica que vem para a Seringô produzir calçados sustentáveis”, confirma o CEO, explicando ainda que a marca surge na verdade como um spin off do Poloprobio.

Hoje estão envolvidos na Poloprobio/Seringô, produzindo borracha ecológica no Projeto Marajó Sustentável, 1.565 seringueiros; produzindo artesanato e utilidades domésticas, 465 pessoas; e biojoias, 123 pessoas. Cerca de 92% dos seringueiros são homens e no artesanato 95% são mulheres.

As cerca de cinco toneladas por mês de borracha ecológica produzidas a Seringô transforma em compósitos poliméricos – que tem como mistura a borracha ecológica com o caroço de açaí, matéria prima para a produção de calçados sustentáveis. Parte deste compósito é comercializado para a produção de calçados de outras marcas, e outra parte é transformada nos Calçados Seringô (chinelos, tênis e bota).

No universo do artesanato são produzidas utilidades domésticas, que incluem mais de 50 variedades de folhas, como a vitória-régia em vários tamanhos, além da capeba, taioba, bananeira, apuí, utilizados como centros de mesa, porta-prato, porta-panela. Folhas menores viram marcadores de livro, entre outros. Nas biojoias, as criações incluem brincos, colares e pulseiras.

“Não temos o volume de produção porque o artesanato é produzido e comercializado, na sua maioria, diretamente pelas comunidades. Estimamos uma produção mensal em torno de 20 mil peças, entre utilidades domésticas e biojoias”, justifica Francisco Samonek.

Enquanto empreendedor social, ele celebra a realização da 30ª Conferência das Partes, a COP30, em Belém no ano que vem, e já está de olho em se integrar à programação.

“É muito importante termos a COP30 na Amazônia, e ela se realizando na capital paraense é melhor ainda, porque teremos protagonismo internacional. A Seringô apostou no Pará, e em especial no Marajó, onde estão os municípios com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do Brasil. Queremos contribuir para acabar com esse discurso que há décadas vem sendo imputado ao Marajó e ninguém faz nada para mudar essa realidade. A COP30 vem com essa pegada. Estamos trabalhando 24 horas por dia para fazer a diferença na COP”, antecipa, inclusive informando que, além de ter participado junto ao Sebrae/PA do Inova Amazônia 2024, voltado ao fortalecimento da bioeconomia na Amazônia e fomento do crescimento econômico com inovação aberta, está desenvolvendo produtos para serem em breve lançados, com foco na COP.

“Estamos trabalhando para termos os selos de sustentabilidade junto à Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), e selos de rastreabilidade e de originalidade junto a uma empresa Suíça, para que fique confirmado que, de onde sai a borracha para o calçado não há pirataria, para que nossos produtos possam ter o passaporte para o mercado europeu, o qual será exigido a partir de janeiro de 2025. Estamos estruturando a nossa loja virtual para podermos dar tração nas vendas online dos produtos Seringô”, revela o empreendedor.

Além disso, Francisco quer participar de palestras e mesas redondas sobre biotecnologia, inovação e tecnologias verdes. Ele quer defender a borracha ecológica, denominada de Cernambi Virgem Ecológico (CVE), que é, certificada como Tecnologia Social pela FBB, e é diferente dos demais tipos de borrachas brutas produzidas para atender a demanda das grandes indústrias, especialmente as pneumáticas, para a qual o seringueiro é apenas mão de obra.

“Não é, por exemplo, como o Granulado Escuro Brasileiro (GEB), que é uma borracha bruta, podre, sem qualidade e sem valor, com 50% de umidade, que precisa de uma usina no processo intermediário para higienizar, retirando impurezas e o mau cheiro, utilizando, no mínimo, 20 litros de água, gerando efluentes que precisam ser tratados para poder ser devolvida ao ambiente, gastando muito energia com máquinas pesadas. A Seringô inovou ao olhar o seringueiro como um agricultor familiar, um empreendedor, autônomo, dono de sua borracha e não apenas mão de obra, como ocorre no seringal de cultivo, um sistema patronal, onde o proprietário do imóvel é o dono da borracha. É mal remunerado e produz sem qualidade”, garante.

Por experiência própria, Francisco acredita que negócios que trabalham com sustentabilidade, que utilizam matérias primas retiradas da natureza, mas sem impactos negativos, que contribuem para a preservação do ambiente, mantendo a floresta em pé, precisam ter visibilidade. E diz que o mundo quer a Amazônia preservada.

“Só poderemos crescer, escalar e dar tração à Seringô e tantos outros empreendimentos se tivermos uma boa comunicação da marca com o mercado. Que nesta comunicação estejam inseridos a história, o propósito e os conceitos que a marca carrega no seu DNA, como sustentabilidade, rastreabilidade, comércio justo, floresta em pé, agricultura familiar, inclusão socioprodutiva, empoderamento feminino, entre outros”, analisa.

A reação do consumidor ao ver e utilizar os produtos de sua marca é altamente positiva, relata. São muitos os elogios em reconhecimento ao propósito colocado no negócio: ajudar as comunidades ribeirinhas para que elas possam cuidar da floresta, mas gerando produtos sustentáveis, que não agridem o ambiente, que vem de fontes renováveis.

“A tecnologia verde é a tecnologia do futuro, pois o nosso planeta não suporta mais o consumo de produtos que agridem a saúde do ser humano e do ambiente. Nosso planeta está doente pelo excesso de lixo descartado aleatoriamente e que ficará por centenas de anos contaminando lençóis freáticos, rios e oceanos, por serem produtos sintéticos e de origem fóssil. Precisamos de produtos naturais e que sejam rapidamente reabsorvidos pelo ambiente. Por isso acredito que somente tecnologias verdes poderão salvar o planeta dos efeitos das mudanças climáticas”, encerra.

Pelo Projeto Marajó Sustentável, desenvolvido em parceria com o Governo do Pará desde 2022, a Seringô quer atender dez mil famílias até 2026 nos municípios de Portel, Melgaço e Anajás, cidades por onde a iniciativa já passou, contemplando mais de 1,5 mil unidades familiares, e ainda deve chegar a Breves, Curralinho e Gurupá. A marca está propondo ajustes no projeto ao governo a fim de eliminar o gargalo de financiamento e seguir pelas cidades marajoaras.

A 4ª edição do “Você Empreendedor” conta com 12 reportagens publicadas desde 10 de novembro sempre aos domingos, terças e quintas, com a última publicação prevista para 5 de dezembro.