Cintia Magno
As peças de cera em formato de uma mão e de um pulmão são, para a administradora Laís Barros, 55 anos, muito mais do que meros objetos. São, acima de tudo, símbolos da enorme gratidão sentida pela saúde recuperada. No momento em que ela se viu com a saúde mais debilitada, o que veio à mente foi a projeção de, no futuro, poder agradecer pela saúde levando os chamados ex-votos no Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Tradição mantida ao longo de muitos anos e que guarda inúmeras histórias de fé e gratidão.
As duas graças alcançadas pela intercessão de Nossa Senhora chegaram para Laís em um momento em que todo o mundo clamava pela piedade divina. Durante a pandemia da Covid-19, ela foi acometida pela doença e o enorme medo sentido levou a administradora a recorrer à mãe de Cristo. “Eu me curei duas vezes. Uma foi da Covid e a outra foi de um problema que eu tinha na mão”, recorda. “Durante a pandemia, eu peguei Covid e naquele momento que eu me vi sozinha, isolada de todo mundo, a tristeza bateu forte. Quando eu achava que não tinha saída, eu recorri a Nossa Senhora e pedi que ela me deixasse passar por essa e assim ela fez. Esse ano, é o momento da grande alegria, de poder agradecer pela graça alcançada, então, é só felicidade”.
Inúmeras histórias como a de Laís chegam até o balcão da tradicional Casa Círio todos os dias, sobretudo quando se aproxima o mês de outubro. Iniciada por uma família de portugueses ainda em 1890, a fábrica de velas e peças de cera ainda hoje mantém viva a tradição dos ex-votos tão característicos do Círio de Nazaré. À frente da fábrica pelos últimos 40 anos, Pedro Manoel Barbosa se orgulha de dar continuidade ao trabalho que possibilita às pessoas agradecerem pelas promessas feitas. “Em 1890 essa família de portugueses deu início à Casa Círio. Naquela época não tinha luz elétrica em Belém ainda, então o consumo de velas era muito grande, para uso comum mesmo”, conta. “O que aconteceu foi que em 1900 ele teve um problema na perna e, como em Portugal já tinha essa devoção a Nossa Senhora de Nazaré, ele prometeu pra ela que se ficasse bom, faria uma perna de cera e levaria na procissão. Assim ele fez e depois o resto da família também começou a fazer o mesmo”.
Ainda que com uma demanda crescente, depois de muitos anos, os descendentes dos portugueses que fundaram a fábrica não quiseram mais dar continuidade ao negócio. Foi quando Pedro Manoel, que conhecia a família, decidiu tomar para si a missão, em grande parte motivado pela preocupação sobre como ficariam as promessas feitas pelos fiéis se não tivessem mais os ex-votos de cera. “Como eu tinha afinidade com eles, fui escolhido para ficar com a empresa. Eu tinha uma preocupação muito grande com as promessas. Os ex-votos são um ícone que não pode faltar no Círio. Nós produzimos, os devotos prometem a Nossa Senhora e levam as peças para agradecer. É um ciclo que não pode
se quebrar”.
Para que dê conta do enorme volume de pedidos que recebem em decorrência do Círio de Nazaré, Pedro Manoel conta que a produção das peças inicia logo após a Páscoa. A antecedência garante que, em meados do início de setembro, toda a produção de cerca de 100 a 110 mil peças já esteja pronta, à espera dos fiéis, quando se aproximar o Círio. Neste ano, quando a procissão retornará às ruas após dois anos sem romaria em decorrência da pandemia da Covid-19, a produção foi inclusive maior. “Como esse ano voltamos para o presencial, aumentamos a produção para 180 mil a 200 mil peças”, conta o proprietário da fábrica. “Eu não deixo ninguém sem pagar a sua promessa. Nós temos 90 itens na nossa lista de produção. Fazemos todos os órgãos e membros do corpo humano, além de casa, carro, celular,
cachorro, gato”.
Apesar da grande variedade de modelos, Pedro Manoel conta que ainda acontece de receberem pedidos de peças inusitadas. “Eu já recebi pedido de troféu, animais de todo tipo e até mesmo de urna eletrônica. Quando dá para fazer, a gente faz, mas nem sempre é possível”, considera. “Eu tento explicar para as pessoas que as peças são representativas. Eu tenho, por exemplo, um modelo de boneco pequeno, mas uma vez chegou um senhor pedindo um boneco de 1,60 metros. É uma coisa inviável porque ficaria muito pesada e com um custo muito grande. Nossa Senhora não quer isso, basta você levar uma peça que represente a sua graça e ela vai entender”.
Entre as peças que recebem maior demanda na fábrica, estão as formas de cabeça e de casa. Com a chegada da pandemia, porém, peças que representam pulmão e coração também passaram a integrar a lista de campeãs
de procura.