O QUE SE SABE ATÉ AGORA

A falsa fé que matou: caso Flávia Cunha expõe seita em Belém

Flávia passou a viver em condições degradantes, confinada em um quarto sem banheiro e sem acesso a água.

A falsa fé que matou: caso Flávia Cunha expõe seita em Belém A falsa fé que matou: caso Flávia Cunha expõe seita em Belém A falsa fé que matou: caso Flávia Cunha expõe seita em Belém A falsa fé que matou: caso Flávia Cunha expõe seita em Belém
Caso Flávia Cunha: o que se sabe sobre a morte por desnutrição sob domínio de falsa pastora
Caso Flávia Cunha: o que se sabe sobre a morte por desnutrição sob domínio de falsa pastora Divulgação

Flávia Cunha Costa, de 43 anos, era uma mulher culta, gentil e generosa. Formada em secretariado executivo, falava três idiomas (português, inglês e espanhol), dava aulas de línguas e atuava como gerente de projetos científicos, com contratos com diversas universidades do Brasil. Inteligente e ativa, Flávia teve sua vida interrompida de forma trágica após anos de abuso psicológico e controle extremo sob o comando de uma mulher que se apresentava como pastora.

A responsável por essa trajetória de sofrimento, segundo a investigação policial, é Marcelle Débora Ferreira Araújo, que se autointitulava pastora, terapeuta e sensitiva. Ao lado do marido, Ronnyson dos Santos Alcântara, ela mantinha um “ministério” dentro da própria casa, no bairro do Guamá, em Belém, que funcionava como fachada para práticas abusivas, manipulação, cárcere privado e exploração financeira.

Flávia conheceu Marcelle em 2014, quando contratou serviços estéticos com ela. A aproximação aumentou quando Flávia confidenciou suas angústias pessoais, sendo então apresentada ao chamado “Ministério Torre do Poder de Deus”. A suposta líder espiritual convenceu Flávia a se mudar para sua casa — a mesma onde funcionava a sede da igreja — rompendo os laços com a própria mãe e demais familiares.

Segundo a prima e advogada Ana Paula da Silva Santos, Flávia passou a viver em condições degradantes, confinada em um quarto sem banheiro e sem acesso a água potável adequada. Para se lavar ou beber água, precisava usar uma torneira externa, à noite, escondida. Mesmo assim, ela continuava trabalhando remotamente em projetos científicos, mas todo o dinheiro era repassado à “pastora” e ao marido, que controlavam sua vida por completo.

Controle total e isolamento

Com o tempo, o casal convenceu Flávia de que o sofrimento era necessário para sua purificação espiritual. Diziam que familiares e amigos eram pessoas “endemoniadas” e que precisavam ser evitadas. A partir daí, ela se afastou de todos. Nenhum parente podia vê-la sem autorização prévia de Marcelle — o que, segundo Ana Paula, quase nunca acontecia.

Nos últimos anos, a família tentou resgatá-la diversas vezes, mas encontrava resistência. Em maio deste ano, a polícia chegou a intervir após denúncias sobre as condições precárias em que ela vivia. Ainda assim, Flávia negou os maus-tratos e reafirmou que estava bem, classificando a família como intolerante religiosa.

A morte e o abandono

Em 18 de junho, já em estado crítico de saúde, Flávia foi levada ao Pronto-Socorro do Guamá. Apresentada pelo casal como uma “vizinha”, ela chegou desnutrida, com pressão arterial extremamente baixa. Marcelle e Ronnyson fugiram do hospital antes mesmo do fim do atendimento, deixando Flávia sem documentos e sem qualquer acompanhamento.

Flávia morreu no dia seguinte, 19 de junho, vítima de desnutrição grave. Como estava sem identificação, foi registrada como indigente. A família só foi informada 12 dias depois, no dia 1º de julho, após investigação da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM).

Mesmo sabendo da morte, o casal continuou a vida normalmente, inclusive publicando em redes sociais que Flávia estaria “treinando”, “indo ao shopping” e frequentando restaurantes.

Prisões e investigação em andamento

A Polícia Civil do Pará prendeu Marcelle Débora Ferreira Araújo, de 51 anos, e Ronnyson dos Santos Alcântara, de 50, na última sexta-feira (5), por ordem da 1ª Vara de Inquéritos Policiais de Belém. Os dois são acusados de violência psicológica, maus-tratos, cárcere privado e exploração financeira — crimes que teriam levado à morte de Flávia Cunha Costa.

A delegada Bruna Paolucci, titular da DEAM, informou que as investigações continuam e há indícios de outras possíveis vítimas. A polícia reforça que denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo número 181 ou pela DEAM Virtual, que também oferece medidas protetivas a mulheres em situação de risco.

“A história da Flávia não pode ser esquecida. Isso vai além de uma única vítima. É um alerta sobre os perigos do abuso disfarçado de fé. Precisamos de justiça por ela e por todas as vidas que ainda podem ser salvas”, afirma a advogada e prima Ana Paula da Silva Santos.