Do Látex ao Luxo: A Reinvenção Amazônica dos produtos sustentáveis
Do Látex ao Luxo: A Reinvenção Amazônica dos produtos sustentáveis

BIODIVERSIDADE

Do Látex ao Luxo: A Reinvenção Amazônica dos produtos sustentáveis

Empreendedores se unem às comunidades para explorar o potencial socioeconômico local, sustentável e respeitando a cultura amazônica.

Empreendedores se unem às comunidades para explorar o potencial socioeconômico local, sustentável e respeitando a cultura amazônica. Conheça uma dessas iniciativas e associação criada para reunir empresas
Empreendedores se unem às comunidades para explorar o potencial socioeconômico local, sustentável e respeitando a cultura amazônica. Conheça uma dessas iniciativas e associação criada para reunir empresas. Foto: Divulgação

A biodiversidade da Amazônia e a integração dela com os saberes salvaguardados pelas populações tradicionais que vivem na floresta são responsáveis por gerar um potencial socioeconômico extraordinário para os territórios que estão inseridos no bioma. Potencializada por uma diversidade sociocultural única, a biodiversidade presente no Estado do Pará representa uma enorme oportunidade de desenvolvimento econômico ligado ao uso sustentável de recursos naturais como os produtos florestais não-madeireiros. E esse potencial já vem sendo muito bem aproveitado por negócios que se voltam para a riqueza da floresta em pé.

Foi justamente no interior da mata preservada que compõe a Ilha de Cotijuba, em Belém, que as empreendedoras Kátia e Tainah Fagundes, mãe e filha, enxergaram na natureza a possibilidade de garantir não apenas a própria renda, mas também a de várias outras mulheres da comunidade que vivem em meio à floresta.

A iniciativa de empreender a partir de um novo olhar para a cultura da borracha presente nos seringais de Cotijuba surgiu de Kátia, artesã e artista autônoma que se viu diante da responsabilidade de educar e sustentar três filhos, mas que sempre carregou consigo um olhar pautado pela sustentabilidade.

Buscando construir um novo ciclo para a borracha amazônica, onde todos os envolvidos são protagonistas do processo, a iniciativa levou o maquinário que possibilita o beneficiamento do látex para dentro da floresta, valorizando o insumo que faz parte da biodiversidade amazônica sem deixar de garantir o manejo sustentável do recurso natural, a manutenção da floresta em pé, e geração de renda não apenas para mãe e filha, mas também para as mulheres da comunidade extrativista de Cotijuba onde está o seringal, uma construção coletiva.

“A gente estuda o tema da borracha na escola, mas ela parece tão distante da gente, tão despertencida, que a gente nunca achou que seria possível isso estar mais próximo. Então, quando a gente vai por dentro de um seringal, mergulhar nesse fazer e entender todas as histórias que a Amazônia passou com a borracha, a gente vê que tem como recomeçar um novo ciclo dessa borracha pelo olhar da economia criativa, somando a essa economia da floresta”, considera Tainah.

Neste reencontro com uma nova economia da borracha, o que as empreendedoras perceberam foi que era possível não apenas desenvolver uma coleção firmada na cultura e na identidade amazônica, mas também construir novas formas de trabalho que pudessem ser mais inclusivas e mais justas. “Não é só sobre um produto com design, mas um produto com design e com histórias, onde as pessoas envolvidas também têm sonhos, não querem só extrair a o látex, mas também querem aparecer”, aponta. “E hoje o trabalho da Da Tribu está, realmente, pautado em ampliar cada vez mais esses grupos produtivos, nesse protagonismo dessas mulheres que, até então, também não eram incluídas ou eram invisibilizadas demais nesse processo da borracha porque elas são parceiras, são filhas, são pessoas muito próximas do trabalho desse seringueiro, mas que elas não apareciam”.

Além da produção de biojóias a partir do látex, o maquinário levado pela marca para dentro da comunidade possibilitou a produção de biomateriais que foram desenvolvidos ao longo de quase 10 anos de pesquisa e aprimoramento. Com isso, a produção do tecido e do fio de algodão banhado pelo látex amazônico não apenas abastece o mercado da moda com um produto mais sustentável, mas também ajuda a garantir a obtenção de recursos a partir da floresta em pé. “Eu sempre brinco que o tecido de borracha não dá no pé da árvore. O que dá na árvore é seringueira. O que tem, agora, é um conhecimento com inovação, com pesquisa, com tecnologias associadas, mas podendo fazer diferente e não tirar esse conhecimento da floresta, mas sim deixá-lo ali, levando mais valor, aumentando o valor econômico, levando renda, fazendo a transformação, no local, para aquelas pessoas”, considera Tainah.

Economia da Floresta em Pé

“A Da Tribu se coloca nessa jornada de 10 anos com a borracha nativa da Amazônia, num compromisso de uma relação que a gente precisa ter com a floresta, muito mais próxima, de forma muito mais horizontal, aberta, transparente e coletiva. Esse produto florestal não madeireiro é isso, a gente não derruba a árvore para trabalhar com esses bioativos e eles têm um potencial infinito de transformar”.

Esse potencial infinito de transformação dos produtos florestais não madeireiros também é percebido por dezenas de outros empreendedores que encontram na biodiversidade da Amazônia a possibilidade de transformar não apenas os seus negócios, mas as vidas de quem vive nas suas comunidades.

Tendo em comum o objetivo central de utilizar o bioma e o estilo de vida amazônico como principal fonte de inspiração para fazer negócios, mas também usando os negócios como uma forma de proteção e de valorização da Amazônia e do seu modo de vida, 75 diferentes negócios decidiram se reunir em uma única associação, a Associação de Negócios da Sociobioeconomia da Amazônia (Assobio). Presidente da Assobio, Paulo Reis explica que a organização é formada por pequenos e médios negócios que estão espalhados por toda a Amazônia Legal.

Diante da grande diversidade que marca o território e, naturalmente, os produtos florestais que fazem parte dele, as empresas atuam em diferentes setores ligados à sociobioeconomia. Paulo aponta que cerca de 60% dos negócios são voltados para alimentos e bebidas, outros 20% voltados para cosméticos e os outros 20% restantes de setores como serviços, educação, tecnologia, design, moda, acessórios, artesanato.

“A gente é fruto de um ecossistema que vem se aquecendo, especialmente desde 2018 e 2019, que foi até quando o próprio termo bioeconomia começou a ser usado com mais frequência e vários programas começaram a ser feitos para estimular que houvesse soluções baseadas em uma economia de floresta em pé”, conta Paulo Reis. “Então, todos nós associados participamos de vários programas de incubação, aceleração, editais de fomento, que fizeram nascer um grupo de negócios que foi amadurecendo, até que em 2023 se transformou na associação”.

Através do trabalho associativo, os negócios buscam uma compensação aos desafios enfrentados por quem empreende na Amazônia carregando a proposta de gerar um impacto socioambiental positivo. Diante dos dados da própria associação, Paulo Reis vislumbra um cenário onde a biodiversidade amazônica assume um papel de protagonismo no desenvolvimento socioeconômico da região.

“Nós enxergamos que o maior potencial para o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia, ou seja, para que a gente melhore as nossas condições de vida, nosso salário, emprego, renda, qualidade de vida, é que se invista em pequenos e médios negócios ligados à bioeconomia. Primeiro porque esses pequenos e médios negócios ligados à bioeconomia estão conectados com o conhecimento tradicional, eles aproveitam o conhecimento tradicional de uma forma valorizada, de forma saudável. A segunda coisa é o impacto que pequenos e médios negócios da economia podem ter nas cidades amazônicas. O terceiro ponto é uma noção de escala que vem através de um conjunto de pequenos e médios negócios”, avalia.

“Através dos dados da Assobio, talvez a gente consiga demonstrar que essa tese faz sentido. Hoje, os 75 associados da Assobio geram, juntos, impacto positivo em mais de 50 mil hectares de floresta amazônica, em mais de 87 mil pessoas nas suas cadeias produtivas, gerando diretamente mais de 700 empregos. Sem contar mais de uma dezena de milhões de reais que todos os anos esses negócios compram conjuntamente, portanto, gerando renda para povos e comunidades tradicionais da Amazônia”.

A Nova Economia da Amazônia

NOVA ECONOMIA

A biodiversidade característica da região amazônica já é apontada como uma nova economia para a região. Realizado pelo WRI Brasil em parceria com 76 especialistas de instituições científicas de diversas regiões do, o estudo “A Nova Economia da Amazônia” destaca a importância da bioeconomia, considerando-a como uma economia capaz de se desenvolver a partir de atividades econômicas que não quebrem o complexo equilíbrio ecológico que garante a saúde da floresta e dos rios e que, mais do que isso, consegue integrar a inovação.

De acordo com o estudo, a bioeconomia da Amazônia – calcada em apenas 13 produtos primários para os quais se tem dados seguros – gera atualmente um valor agregado de R$ 9,5 bilhões e uma massa salarial de R$ 1,89 bilhão em toda a cadeia, considerando os setores primário, secundário e terciário. E, neste contexto, o Estado do Pará desponta na liderança da bioeconomia, participando com 73% da massa salarial da Amazônia Legal (AML).