CAETANO E BETHÂNIA

Vidas entrelaçadas em arte e música

Caetano compôs mais de 30 canções para gravações originais de Bethânia, pensando no alcance de sua voz e em sua presença cênica.

Maria Bethânia tem em Caetano um de seus compositores prediletos. Caetano ama a força cênica da irmã. FOTO: roncca/divulgação
Maria Bethânia tem em Caetano um de seus compositores prediletos. Caetano ama a força cênica da irmã. FOTO: roncca/divulgação

A voz de Bethânia seria um dos motores da entrega de Caetano à vida de compositor. A história dessa partilha musical dos dois irmãos se iniciou há 60 anos, no show “Nós, por exemplo”, no Teatro Vila Velha, em Salvador, em 1964.

“A obra de Caetano, pra mim, a minha vida inteira que canto, 60 anos que digo e escolho ele como um dos meus compositores prediletos. Ele é meu irmão, mas reconheço a grande obra do Caetano na música brasileira, o grande serviço que ele presta à música brasileira, que ele presta ao Brasil, que ele presta ao mundo, presta a cada um de nós com suas composições, com seus pensamentos, com sua filosofia. Acho Caetano, junto com Chico Buarque de Hollanda, sempre disse, os dois maiores compositores para mim, como intérprete, como cantora brasileira, cantora do povo brasileiro”, declarou Bethânia.

Já Caetano ressalta a força da personalidade da irmã, que já se destacava desde muito jovem, em suas apresentações iniciais. “Gosto da força de personalidade de Bethânia. Desde Salvador, quando cantamos, ela ainda aos 17, com Gil, Gal, Tom Zé e mais colegas, no Teatro Vila Velha, eu já percebia a força cênica de minha irmã mais nova. Ela se expressa com intensa verdade. Eu sou mais um compositor que busca equilíbrio e serenidade quando subo a um palco”, destacou ele.

Ainda muito jovens, numa fase de revelação de caminhos para a música brasileira, os dois irmãos surgiram como artistas inseparáveis de sua geração, no meio do agito das artes na capital baiana, ao lado de Gal, Gilberto Gil, Tom Zé, Roberto Santana, Alcyvando Luz, Djalma Corrêa, Fernando Lona, Piti e Perna Fróes. Bethânia despontava, porém, como uma cabeça acima de movimentos, determinada a criar um projeto estético fiel às suas paixões musicais profundas. Antes e depois do Tropicalismo, Caetano seria um tradutor fraterno dessa poética.

“Tenho orgulho da nossa geração: Paulinho da Viola, Jorge Ben, tanta gente talentosa num mesmo período… E fico feliz de o Brasil não ter se esquecido de nós”, disse Caetano.

Com a mudança de Santo Amaro para Salvador, em 1960, os irmãos se tornaram cúmplices nas descobertas de uma grande cidade, da literatura de Clarice Lispector e de seus destinos artísticos. Juntos, experimentaram o teatro, a música e o cinema. Caetano era então o guia urbano de Bethânia, ainda saudosa da vida e da alma santamarenses.

Em sua ida para o Rio de Janeiro, onde substituiu Nara Leão no espetáculo “Opinião”, em 1965, Bethânia viajou acompanhada de Caetano, atendendo ao pedido do pai, José Telles Velloso. O sucesso da cantora teria consequências na história da música popular e no desenvolvimento das carreiras de Caetano, Gal e Gil. Aos 18 anos, ela avisou ao irmão que dali para frente definiria sozinha seu rumo no mundo. Mas, desde então, suas trajetórias artísticas não deixaram de estar entrelaçadas.

Caetano compôs mais de 30 canções para gravações originais de Bethânia, pensando no alcance de sua voz e em sua presença cênica. Ainda na juventude, esse arco de belezas envolveu “Sol Negro” (em duo com Gal Costa) e “De Manhã” e se desenvolveria em joias como “Gema” e “Reconvexo”, um hit da “destemida Iara”. Mesmo canções registradas pelo próprio Caetano ganharam versões de forte marca autoral de Bethânia, como “Tigresa”, “O Ciúme” ou “Sete Mil Vezes”. Em “Um índio”, junto aos Doces Bárbaros, a cantora reivindicou para si a utopia indígena de Caetano. Não à toa, o escritor argentino Julio Cortázar suspeitava que os dois irmãos eram uma só pessoa.