Morto neste domingo aos 93 anos, o cartunista Jaguar, pseudônimo de Sérgio Magalhães Gomes Jaguaribe, é lembrado pela criação do Pasquim, que revolucionou o jornalismo e o humor durante a ditadura militar, além de suas frases ácidas, bem-humoradas e mal-humoradas sobre a vida, a morte, a política e o trabalho.
A PRISÃO EM 1970
“Acabei me escondendo num lugar agradabilíssimo e impossível de descobrir, a casa do pior inimigo dos subversivos e de qualquer coisa que fosse moderna, o [jornalista e apresentador] Flávio Cavalcanti [1923-1986]. Você vê como é o Brasil, graças a Deus nada funciona direito. Estava na minha mordomia, tomando o uísque escocês do Flávio Cavalcanti, quando toca o telefone, era o Paulo Francis.
Ele me disse: ‘Jaguar, é o seguinte, você não vai se entregar, não?’. E eu: ‘Eu? Por que eu vou me entregar?’. ‘Nós todos estamos presos, menos você e o Millôr. Tá todo mundo te esperando.’ Eu disse: ‘Mas, ô Francis, eu tô muito bem aqui, com a Leila Diniz, tomando uísque, vou aí pra quê, vai resolver alguma coisa eu estar preso com vocês, pô? Me tira dessa’. Aí ele me disse uma coisa fatídica: ‘A sua consciência responde. Pergunte a sua consciência se você deve ficar com seus companheiros ou não’.
Eu desliguei o telefone e falei ‘filho da puta’ [risos]. Eu estava com o [diretor teatral] Flávio Rangel [1934-1988], que nem estava sendo procurado, mas era todo heroico e disse que ia também. Pegamos um táxi, eu fui possivelmente o único preso político do Brasil que pagou para ser preso, paguei uma nota preta de táxi até a Vila Militar.
Quando cheguei na porta do quartel, mandei voltar e parar no primeiro boteco. Tomei um copo inteiro de cachaça e me apresentei. Fiquei três meses preso que nem um idiota lá dentro. A partir daí, aposentei minha consciência.”
A ABSTINÊNCIA DE ÁLCOOL
“Eu bebia porque gostava de ficar bêbado. O grande problema é que eu posso beber o quanto quiser que não fico bêbado.”
A DESCOBERTA DO CÂNCER E DA CIRROSE
“Andei fraco, me sentindo pesado, e meu médico me mandou ir a São Paulo fazer exames. Tudo apoiado por minha mulher, que é médica. Foi a maior burrice que já fiz. Eu não saberia até hoje que estava doente, estaria tomando minha birita.”
PAIXÃO POR IPANEMA
“A versão festiva da Academia Brasileira de Letras. Sem Sarney, que ninguém é de ferro e brincadeira tem hora”, disse, sobre a Banda de Ipanema, que ele fundou com Albino Pinheiro e Ferdy Carneiro, e certa vez chamada de “braço armado da esquerda festiva” por Ruy Castro.
“Intelectual não vai à praia. Intelectual bebe”, a frase cunhada por ele, mas que teria sido dita por Paulo Francis, e virou uma espécie de lema informal do bairro carioca e da boemia intelectualizada.
SAÚDE E LONGEVIDADE
“Não sei quanto tenho de vida, mas é mais do que esperava.”
OS DESEJOS PARA A MORTE
“Sempre disse que quero ser cremado, mas não tenho essa coisa poética de querer que minhas cinzas sejam espargidas no mar ou debaixo de um carvalho que meu avô plantou. Não, pega as cinzas, joga no vaso sanitário e puxa a descarga. Morreu, acabou”, disse em entrevista à Folha em 2012.
Anos antes, ao O Estado de S. Paulo, havia dito que suas cinzas deveriam ser espalhadas nos bares que frequentou. Depois, atualizou o desejo: “Isso ia ser pela festa. Queria ver se fazia isso antes de morrer; por que vou ficar de fora? É claro que ia demorar semanas para ir a todos os bares onde bebi no Rio.”
AMIZADE COM OS EX-PASQUIM
“É quase um casamento, somos amigos há 60 anos, já brigamos uma porrada de vezes. Agora estamos amigos, ele está curtindo meu câncer à beça (risos)”, disse em 2012, sobre a amizade com Ziraldo, cartunista e escritor morto em 2024.
O TRABALHO DE CARTUNISTA
“Nosso trabalho está facilitado, porque assunto não falta. Mas a concorrência é muito forte nos Três Poderes políticos e juízes falam coisas que nem na minha mais tresloucada imaginação eu conseguiria bolar.”
“Matéria-prima abunda.”