Atenção: caso ainda não tenha assistido aos filmes da trilogia “Antes”, recomendo fazer isso primeiro e depois voltar ao texto, pois discuto detalhes e os rumos das tramas.
Dois jovens se conhecem durante uma viagem de trem pela Europa. A química é instantânea. Um bom papo, olhares encantados e todos os demais sentidos do corpo ativados pelos sintomas que só um amor novo, recém-descoberto, possui. Ele vai descer em Viena antes de pegar o avião de volta aos Estados Unidos. Ela vai para casa, na França. A história poderia terminar ali, mas ele a convida a passear pela cidade e ao amanhecer, aí sim, cada um seguiria o seu caminho. 14 horas. Era todo o tempo que teriam antes da inevitável despedida.
A premissa é de conto de fadas. E de certo modo o próprio filme o é. Até pelo cenário apresentado, característico da juventude: espontaneidade, predileção pela aventura, uma corrida contra o tempo, onde tudo tem que ser pra ontem. Mas as conversas – ah, as conversas – entre Jesse e Celine mostram que a realidade os cerca, está ali, onipresente, dando um toque de amargor e angústia necessário à doçura dominante. E basicamente é por isso que eles se apaixonam. Porque se abriram um ao outro, se conheceram de fato, uma exposição rara de acontecer. Esta foi a grande sacada do diretor Richard Linklater e que inscreveu “Antes do amanhecer” como um dos principais romances da história do cinema.
Mas Richard e seus protagonistas, interpretados magistralmente por Ethan Hawke e Julie Delpy, não pararam por aí. Após o final esperançoso do filme, com os dois prometendo um reencontro para dali a seis meses, eles deram continuidade à história. “Antes do Pôr-do-sol” avança nove anos, quando Jesse vai lançar seu livro em Paris e Celine vai à sessão de lançamento. Dali, eles rumam para um fim de tarde de conversas. E, de novo, a urgência: eles terão apenas 90 minutos antes do avião de Jesse partir. Assim, o filme emula o “tempo real”, retratando exatamente o período que eles têm para ficar juntos.
Descobrimos então que a vida seguiu seu curso, já que Celine não pôde comparecer àquele encontro marcado anos atrás. Sem sobrenomes ou contatos, só lhes restava a lembrança daquele amor. E essas são as perguntas primordiais agora: um amor pode sobreviver a tanto tempo separados? Realmente existem amores inesquecíveis? Ela tem um relacionamento complicado. Ele, um casamento infeliz e um filho. Ambos teriam a coragem de jogar tudo para o alto e reviver a sua história, recomeçar?
O filme é um charme, certamente o meu preferido da trilogia. É mais pé no chão, mas sem abrir mão do romance e das possibilidades de reconstrução de caminhos e de sonhos. Jesse e Celine são encantadores, especialmente, porque se interessam genuinamente pelo outro. Tudo soa tão natural e verdadeiro entre eles, as desilusões que ambos passaram, suas complicações, suas aspirações. Sentimos ali o amadurecimento daqueles personagens passada quase uma década e também as experiências pessoais dos envolvidos, afinal o roteiro foi escrito pelo diretor e pelos próprios atores.
Em certo aspecto poderíamos dizer que “Antes do pôr-do-sol” se contrapõe ao original por lidar mais com a realidade do que com uma fantasia romântica, mas na verdade não se trata de uma oposição e, sim, de uma nova etapa da vida, com outro tipo de romantismo. Menos “destino” e mais “atitude”. Até porque eu duvido você não se apaixonar pelo sorriso de Hawke e sua postura diante da vida, tentando enfrentar o desencanto; ou por Celine cantando “A waltz for a night” no ukelele (música composta pela própria Julie Delpy) e dançando ao som de “Just in time”, de Nina Simone. O amor vem mais forte nos detalhes.
Outros nove anos se passam. “Antes da meia-noite” conclui essa história de amor, mas com uma diferença crucial: Jesse e Celine agora são, realmente, um casal – e há muito tempo. E, com isso, diminui drasticamente o espaço para arroubos românticos. Ainda estão ali as conversas sinceras e a cumplicidade de sempre, só que não mais com a bagagem de apenas algumas horas juntos, e sim de uma vida partilhada, o cotidiano, com filhos e responsabilidades. É outro panorama.
Temos a noção exata do nível de racionalidade alcançada e, por consequência, da complexidade dos relacionamentos, quando um senhor, amigo de Jesse, que perdeu a esposa há pouco tempo, é perguntado se ela era sua alma gêmea. A resposta: “Soa lindo, mas na verdade ela era mais racional. Se cuidava e me pediu que fizesse o mesmo. Tínhamos muito espaço para nos ver em pouco tempo. Parece óbvio que minha esposa não está aqui hoje. Nunca fomos um, sempre fomos dois e assim nós preferíamos. No fim do dia, não é o amor por uma pessoa que importa. Mas o amor pela vida”.
É com base nessa consciência de individualidade que Jesse e Celine discutem, argumentam e tocam em feridas. Fica claro que cada um é responsável por seus atos e pelo caminho trilhado em uma relação, que pode levar ao interesse mútuo de ter a companhia daquela pessoa até a morte ou encerrar a jornada e partir para a próxima, em busca de algo que te faça mais feliz. Pois a vida é só sua, pertence só a você. É a dose exata de realismo para contrabalancear o romantismo de outrora. Não que ele tenha deixado de existir, mas agora vem à tona de forma equilibrada, consciente dos demais sentidos que a vida possa ter. E esse é o último e grande desafio para o amor: saber que o “felizes para sempre” é uma bela e agridoce utopia e lidar com isso da melhor forma torna-se a questão principal.
ONDE ASSISTIR:
- Antes do amanhecer – HBO Max, Prime Video (para alugar) e Google Play (para alugar);
- Antes do pôr-do-sol – HBO Max, Apple TV (para alugar), Prime Video (para alugar) e Google Play (para alugar);
- Antes da meia-noite – HBO Max, Oi Play, Apple TV (para alugar), Prime Video (para alugar) e Google Play (para alugar).