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Um "quase sequestro" na Cisjordânia

Listão com os nomes das vítimas dos conflitos. Fotos: Luiz Octávio Lucas
Listão com os nomes das vítimas dos conflitos. Fotos: Luiz Octávio Lucas
Explorar novos lugares também significa fugir do lugar comum e ir além do que um turista que contrata um pacote de viagem fechado procura. Ferramentas para isso existem aos montes.
Do aplicativo TripAdvisor ao popular Google Maps, tudo vale a pena se a alma não é pequena e curiosa, mas há que se considerar os riscos que isso pode representar, ainda mais se o local explorado for outro país com língua, cultura e contexto político completamente diferentes do Brasil.
Detalhe do muro com a pintura de Benjamin Netanyahu
Em uma viagem para Israel, a distância cultural me obrigou a contratar um desses pacotes de viagem que prendem o turista naquelas excursões que mais parecem um Big Brother, com tanta gente diferente reunida no mesmo local.
Na chegada das noites e no único dia livre, aproveitei para explorar os lugares do meu jeito e a vontade de voltar a Belém, no território palestino, me fizeram atravessar a fronteira com Israel e visitar novamente a cidade onde Jesus nasceu.
Nas pesquisas em sites especializados, vi que o muro construído por Israel, na fronteira com a Palestina, e que divide Belém e Jerusalém, era uma atração turística alternativa muito interessante e que não fora mostrada pelos guias.
Todo grafitado e com marcas dos conflitos da região, por que não ir lá? Coloquei no Google Maps e cheguei até o local que fica a poucos metros das atrações que todos procuram, como o local onde teria nascido Jesus, a Basílica da Natividade.
Pintura de um soldado israelense
Entre marcas de balas, painéis com imagens de armas e até de Benjamin Netanyahu, os meus registros fotográficos pipocaram, o que chamou a atenção de um vendedor ambulante de suco de romã e imãs de geladeira, com réplicas das pinturas no enorme muro divisor.
A lembrança da Intifada
Ao saber que eu e minha esposa éramos brasileiros, o vendedor de origem árabe virou o rei da simpatia e, quando viu meu interesse pelo lugar e em conhecer a Faixa de Gaza, que infelizmente não pude ir, nos persuadiu a entrar no carro dele para dar uma volta pela periferia local. Tudo sem custos, porque “brasileiros eram amigos”.
A empolgação de jornalista pesou e resolvi ir, mesmo a contragosto da esposa, receosa do que poderia acontecer. Conhecemos a realidade do outro lado do muro, onde existe pobreza e o legado dos conflitos que se arrastam pontualmente entre Israel e a Palestina.
Sim, a Belém da Cisjordânia lembra em muito a Belém do Pará com seu cenário de contrastes entre luxo e miséria.
Listão com os nomes das vítimas dos conflitos. Fotos: Luiz Octávio Lucas
MURO DA INFÂMIA
Mais adiante do muro, um listão com os nomes das crianças que morreram nos ataques, máscaras de proteção contra gases letais penduradas como vasos e uma enorme chave pendurada, como que para abrir as portas de um povo cheio de amarras.
Experiência única para toda a vida, mas a cereja do bolo ainda estava por vir. O simpático vendedor, no meio do caminho, mudou o comportamento da água para o vinho e começou a exigir dinheiro para nos deixar desembarcar do carro dele.
A chave no pórtico da periferia

Dos 70 dólares que tinha e alguns shekels, moeda local, tirei da carteira uma quantia que julguei pagar o passeio e dei a ele, que recusou com enorme irritação. Queria mais, aliás, queria tudo, mesmo com o argumento de que precisávamos pegar o ônibus de volta para Jerusalém.

Resumo da ópera, sem saber se ele estava armado ou o que seria capaz de fazer contrariado, ficamos apenas com o dinheiro da volta no coletivo e o agora ex-amigo estrangeiro levou todo o restante, nos deixando desembarcar em uma rua próxima ao centro.

A máscara que virou vaso
O prejuízo me dói na alma até hoje, mas confesso que repetiria a experiência, só para ter o prazer de conhecer a realidade que o turismo oficial não mostra. Por sorte, voltei, sem dinheiro, mas vivo para contar a história.
E você, tem coragem de conhecer o lado B dos lugares que visita, ainda que isso signifique correr riscos?
(Fale com o colunista: [email protected])