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Ucrânia: a guerra do lobo solitário do Krenlin (Putin)

Milhares de vidas foram ceifadas, milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas para tentar a vida em outros países e milhões de crianças abandonaram as escolas. Foto: Legenda
Milhares de vidas foram ceifadas, milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas para tentar a vida em outros países e milhões de crianças abandonaram as escolas. Foto: Legenda

Félix Gerardo Ibarra Prieto*

Essa guerra se arrasta e sai de tudo o que foi previsto pelo governo russo, antes de iniciar as hostilidades: era para ser curta (já são 11 meses) e cirúrgica, mas houve um erro de cálculo na estratégia. Quando um país entra em guerra? Quando o custo de NÃO IR for  maior do que o custo de ir. Não há dúvida de que o custo de IR será muito maior, neste caso.

Desde a guerra do Vietnã, nenhuma potência ganhou uma guerra. Os EUA fugiram do Talibã após 20 anos de luta com a OTAN em Afeganistão. A nova doutrina militar mostra que nenhuma força, por mais superior que seja, vencerá se não chegar ao país invadido (neste caso a Ucrânia) para salvá-lo de algum perigo que possa estar correndo (os russos dizem que foi para desnazificá-la).

Claramente, este não é, e nunca será, o caso da Ucrânia. Nada mais é do que uma agressão bárbara com base em fundamentos históricos e não legais. Em longo prazo, a guerrilha local termina sendo a vencedora.

Isso vai longe e ainda causará várias vítimas humanas, materiais e econômicas, em todo o mundo e internamente na Rússia também. Vimos a reação da população ao anúncio da mobilização dos 300 mil reservistas que o governo pretende. Grandes manifestações nas ruas das grandes cidades e fuga em massa dos possíveis “convocados” para “o jogo contra a Ucrânia” milhares de “combatentes” já saíram do país ou foram presos ao tentar sair.

Putin não tem mais o apoio da maioria do povo, nem de alguns importantes políticos e empresários, isso pode fazer a diferença a curtíssimo prazo. O embargo proposto por ocidente doe no bolso dos amigos que o apoiam. Putin anda cada vez mais para o extremo, acaba de propor a não promoção das relações homo afetivas entre adultos, ou seja, querem se meter até no sentimento das pessoas. Reprimir minorias e diversidades é a ordem.

Sempre se falou na comunidade acadêmica – que eu participei – que a dependência excessiva da UE da energia russa (gás) era perigosa, porque os russos não são parceiros confiáveis. Aí está o resultado! Por outro lado, isso também é bom, porque Europa terá de encontrar uma solução em curto prazo, uma boa fonte e um fornecedor de energia confiável. Isso acelerará outros processos de fontes mais limpas e infinitas, como eólica e solar, assim com também retardará o fechamento das usinas nucleares na Alemanha.

O inverno se inicia e os bombardeios russos ás principais cidades ucranianas não param. A infraestrutura energética está muito danificada, em fim, Rússia joga sujo e duro contra a população civil vulnerável.

A Rússia não quer que a OTAN se expanda, inclusive isso “foi negociado” ainda que verbalmente no final da Guerra Fria. Logicamente, ninguém iria querer isso, mas qual foi o resultado dessa hostilidade que já dura mais de seis meses?

A fronteira coberta pela OTAN no lado ocidental se expandiu muito mais do que era (1.340 km a mais). Hoje abrange toda a Finlândia e Suécia, que já pediram para fazer parte da OTAN para se apoiarem na defesa coletiva da organização transcontinental. Além disso, sua força de reação rápida passou de 40.000 homens para 300.000 mil.

Essa guerra depende muito da China, que, por enquanto, está calada, porque consegue comprar alimentos e energia mais baratos da Rússia e assim a ajuda a sobreviver às sanções com o Ocidente, mas a realidade, mais cedo ou mais tarde, falará mais alto. Em outras palavras, a China estará lá, com a Rússia, até que seus interesses vitais (comércio internacional) não sejam afetados. Uma vez que sinta os efeitos adversos, dirá adeus à Rússia.

Como Barack Obama descreveu em seu livro “Terra Prometida”, a Vladimir Putin: “Ele é um velhaco tolo, arcaico e arrogante, mas com a bomba atômica nas mãos” – ou, como Biden falou na ONU, “(…) é a guerra de um homem só”, o certo e o concreto é que um fato histórico – a Ucrânia ter sido parte da Rússia durante a antiga URSS – não se sobrepõe a um fato jurídico – a Ucrânia ser a primeira república a se declarar independente da Rússia desde 1991 – a pergunta que todos fazem é: por que a Ucrânia não bombardeia a Rússia em seu território? Porque não pode usar armas ocidentais para atacar. Apenas para uso de defesa.

A ponte que liga a Crimeia foi destruída em parte, mas não se tem claro a autoria.  O que é mais sério é a possibilidade do uso de armas nucleares. Sinal de desespero de alguém que queria fazer só uma intervenção militar de dois dias. Os ocidentais querem que a Rússia recue pouco a pouco e não a empurrar com tudo.

A arte da guerra também consiste e dar uma rota de fuga para o inimigo, caso contrário pode ser fatal para todos, aí mora o perigo do uso da arma não convencional. Houve recuo importante na região “conquistada” de Kherson, mas amida é cedo para uma virada.

Ironia do destino: Ucrânia detinha o maior poder nuclear, umas três mil ogivas nucleares quando formava parte da antiga URSS, abriu mão delas pelo “Acordo de Budapeste”, em troca de ser reconhecida como país independente, assim como de não sofrer ameaças da própria Rússia com essas armas “garantias de segurança”.

A traição começou em 2014 com a anexação da Crimeia, também alegando fatos históricos e não jurídicos. É a famosa piada do escorpião, a natureza hostil da Rússia é mais forte que seus acordos e Tratados. Para piorar, ainda fizeram um plebiscito disfarçado para “autodeterminação dos povos” em Donvas, não com URNAS eletrônicas e sim com ARMAS automáticas nas mãos.

Conclusão: mães e esposas dos soldados estão inconsoladas pela falta de informações dos seus filhos e maridos, além de não pagamentos dos salários, falta de treinamentos para enfrentar o inimigo na guerra e falta de equipamentos para cumprir a missão. Putin pede ás famílias dos soldados que não acreditem em mentiras.

A “pós-verdade” está na moda e é a pior de todas as pandemias. Nenhum meio de comunicação pode falar a verdade na Rússia, pior é que a moda pode pegar.

 

Félix Gerardo Ibarra Prieto* é empresário e professor universitário. Mestre e doutor em Relações Internacionais (UAA). Professor titular da Unama (2006-2018) e coordenador do curso de RI da mesma universidade (2008-2012). É diretor e fundador da rede Castilla Idiomas do Brasil desde 1996.