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Sibéria, de Abel Ferrara

Sibéria, de Abel Ferrara

Mesmo em seus filmes, digamos, mais comerciais, o diretor nova-iorquino Abel Ferrara nunca foi afeito a simplificações, estéticas amarradas e narrativas convencionais. De “Vício Frenético” a “Invasores de Corpos”, ou “The Funeral”, Ferrara sempre aproveita temas espinhosos, como as drogas, a corrupção ou até abusos sexuais para construir uma filmografia quase sempre apoiada no surrealismo, em desconexões emocionais, sexo e ultraviolência.

Em “Sibéria” (2020), que concorreu ao Urso de Ouro naquele ano de pandemia no Festival de Berlim, ele tenta fazer um estudo de personagem em isolamento, em composições de cenas como colagens de memórias, que vêm e vão no tempo, e levam o espectador (e o próprio personagem protagonista) ao limite físico e mental.

Aqui, Willem Dafoe vive um dono de uma taberna no meio de um espaço vazio e gelado que, entre um raro cliente e outro, tenta estabelecer uma rotina e enfrenta ameaças mortais, em um mosaico de alucinações e memórias revividas em carne ou espírito, já que a morte ronda em diversos momentos, e o sobrenatural entrelaça esse campo do pensamento.

É o trunfo da técnica de Ferrara, mas que exige uma dose cavalar de paciência do espectador, que é recompensado em momentos de pura semiótica da imagem, enquanto em outros não é atendido em sua boa vontade. O problema aqui é a indefinição do seu diretor, se pretende viajar totalmente pelo onírico ou fincar os pés no real. Assim, ele transiciona entre ambos, o que reduz a própria construção estética da obra.

Com a falta de um roteiro ou uma direção narrativa mínima, as ideias não se concatenam e se perdem na neve e na areia do deserto, levadas pelo terreno infértil da abstração. E, por mais que Defoe se esforce, não é possível criar um personagem com um mínimo de carisma, passado ou motivação. Não entendemos suas atitudes e nem nos importamos com o seu destino, no fim das contas.

Mesmo assim, é sempre uma experiência acompanhar o diretor e admirar seu trabalho, como um grande slide de uma galeria virtual. Basta esquecer que existe uma proposta de filme por trás. Se você entender isso, pode assistir no Amazon Prime Video, onde a produção foi disponibilizada, após alguns anos no limbo de poucos festivais e prejudicado pela pandemia de covid-19.

Uma curiosidade: A exibição do filme em Berlim e o início da quarentena da covid deram origem a um documentário dirigido pelo próprio Ferrara, chamado “Sportin’ Life”, que nunca estreou no Brasil.