É fato que os streamings estão concentrando seus catálogos de acordo com algoritmos e gostos da tal Geração Z, praticamente esquecendo obras produzidas antes dos anos 2000, limitando o acesso à história do cinema e grandes produções que influenciam cineastas e produtores até hoje. Nesses casos, caso você queira assistir algum produto mais “antigo”, precisa catar em sites de vendas de DVDs e Blu-rays de nichos específicos, meios “alternativos” (como torrents) ou até o Youtube, onde usuários procuram postar produções antigas com direitos liberados para exibição.
É na plataforma de vídeos mais famosa da internet que está disponível o drama japonês “Rua da Vergonha” (1956), último filme do mestre do cinema Kenji Mizoguchi. A obra retrata um bordel onde trabalham diversas prostitutas, que sobrevivem a uma situação de pobreza e sofrem com uma lei que quer a proibição da prostituição, em um Japão de transformação econômica e social após a Segunda Guerra Mundial.
Toda a assinatura de Mizoguchi está aqui: histórias emocionais do ponto de vista feminino, vários personagens centrais e a câmera quase teatral, fixada no enquadramento de atores e cenários, que se movimentam de acordo com seu papel em cena (aliás, estética também usada por outro grande da sétima arte oriental, Yasujirō Ozu)
A construção do roteiro chega a ser surpreendente, pois estamos falando de uma obra da década de 1950, e traz temas bastante atuais, como intolerância e emancipação feminina, em um cenário de pobreza, que não condiz com o retrato do Oriente pintado no pós-guerra, de desenvolvimento econômico e urbano.
Há pequenas metáforas e sutilezas estéticas, como o fato do bordel se chamar “Terra dos Sonhos”, enquanto que as personagens precisam lidar com problemas reais, como rejeição materna, doenças, crises conjugais e dívidas, enquanto “satisfazem os clientes”. A narrativa, apesar de multifacetada, soa fluida ao dar espaço para as cinco mulheres, cada uma com personalidades e dramas próprios, que as conduzem para o final até triste, mas repleto de pequenos simbolismos reais.
É um filme simples, em preto e branco, mas calcado no neorrealismo italiano, com diálogos curtos e diretos, mas com extrema sensibilidade ao tratar os fortes temas que os rodeiam, como toda a filmografia de Mizoguchi. Um daqueles filmes para ver com atenção e coração aberto e, o melhor, disponível na internet gratuitamente. Aproveitem o que a grande rede pode nos oferecer de bom.