GERSON NOGUEIRA

Romário, Raphinha e a volta da terapia do joelhaço

A fim de atiçar a animosidade com os argentinos, o atacante do Barcelona mostra-se disposto a partir para a porrada.

A fim de atiçar a animosidade com os argentinos, o atacante do Barcelona mostra-se disposto a partir para a porrada
A fim de atiçar a animosidade com os argentinos, o atacante do Barcelona mostra-se disposto a partir para a porrada Foto: Rafael Ribeiro/CBF

Luis Fernando Veríssimo, mestre da crônica e do humor, deu vida a um personagem inesquecível e definitivo: o Analista de Bagé, um psicanalista controverso e anárquico, que conquista a clientela no laço e trata as neuroses mais complexas como quem amansa cavalo brabo. Tornou célebre um método infalível para aplicar os fundamentos da psicanálise em cliente homem: “a terapia do joelhaço”, aquela que dói, mas dá resultado.

Lembrei imediatamente do impagável analista ao tomar conhecimento da entrevista de Raphinha a Romário. A fim de atiçar a animosidade com os argentinos, o atacante do Barcelona mostra-se disposto a partir para a porrada, dentro e fora de campo, no clássico desta noite, em Buenos Aires.

“Porrada neles!”, diz Raphinha, embarcando na provocação de Romário, que foi à concentração da Seleção gravar entrevistas para o seu site. Romário, que nunca foi de arrumar briga em campo, está na dele, afinal quer ver o circo pegando fogo. Raphinha, porém, falou bobagem.

Provocar os argentinos desse jeito tão 5ª série é a admissão clara de que o Brasil deixou de acreditar na superioridade alardeada durante décadas. Cinco vezes campeã do mundo, a Seleção sempre se enxergou melhor que a rival, mesmo quando era evidente que não tínhamos o melhor time, nem o momento mais brilhante – como em 1986 e 2022, por exemplo.  

O lado mais problemático da declaração de guerra é que Raphinha não usou meias palavras. Foi direto ao ponto: quer ganhar na porrada. Talvez ache que é o único método capaz de garantir um triunfo do time de Dorival na casa do rival. Podia pelo menos ter disfarçado.

Um episódio ajuda a explicar o rompante. Em clássico recente, o conhecido açougueiro Otamendi deu uma cotovelada criminosa em Raphinha. O árbitro ignorou e o VAR fingiu não ver. É claro que a mágoa permaneceu.

Raphinha bem que podia ter se inspirado em Edson Arantes do Nascimento, cuja genialidade com a bola era comparável à competência para castigar marcadores violentos. Fez isso inúmeras vezes, com destaque para a célebre braçada no uruguaio Fontes, na Copa de 1970. Pisado pelo defensor, o Rei tratou de revidar no mesmo jogo.  

Ocorre que Pelé, mesmo dominando as manhas da várzea, não era de provocar. Sabia que, neste caso específico, o silêncio conspira a favor. Como bom mineiro, esperava o momento certo de agir.  

Prometer dar porrada significa que o alvo vai entrar prevenido e em condições de se defender ou até bater primeiro. Raphinha é um jogador de habilidade, não um especialista em artes marciais. Deve humilhar driblando e fazendo gols. Fanfarronice é coisa de presepeiro.  

Daniel Paulista e a missão de reinventar o Remo

A grande novidade da retomada do Campeonato Paraense, com jogos das quartas de final marcados para o próximo fim de semana, é Daniel Paulista, técnico que o Remo contratou para substituir Rodrigo Santana. Sobre ele repousam as expectativas e as cobranças da torcida azulina, que pressionou pela saída de seu antecessor.

Daniel está no comando do elenco do Remo há nove dias. Pouco tempo para mudanças estruturais, mas suficiente para mexidas pontuais no time. A boa notícia é que, ao contrário de Rodrigo Santana, o novo técnico chegou dando logo a escalação. Nos primeiros treinos, definiu os 11 titulares.

Mesmo que venha a modificar essa configuração, o técnico parte de uma base definida. Talvez tenha sido o grande erro de Santana nesta temporada: permaneceu indeciso até o final, sem conseguir esboçar um time.  

Para a estreia de Daniel, domingo (30), contra o Santa Rosa, o Remo deve apresentar também um novo sistema. É uma reinvenção importante. Depois de quase um ano, o time deixa de lado o 3-5-2 para abraçar o 4-4-2, o que vai além de simples configuração numérica.

A partir de agora, o torcedor também precisa se acostumar a um modelo mais conservador, que abre mão da construção de saídas a partir da defesa com evolução até o ataque, que funcionou muito bem na Série C do ano passado. Em tese, o time pode ficar mais protegido defensivamente, o que combina com as características da Série B.  

Nunca um presidente da CBF teve tanto poder

Para surpresa de zero pessoas, Ednaldo Rodrigues foi eleito presidente da CBF, ontem, conquistando uma inédita aclamação para o cargo. Recebeu o apoio de todas as federações e clubes com direito a voto. Vai empalmar um poder que nenhum outro mandachuva da entidade teve até hoje. Com plena autonomia para fazer as coisas funcionarem, se for de sua vontade.

Acontece que é de conhecimento até do reino mineral que Ednaldo não tem compromisso com mudança na CBF. Muito pelo contrário. Foi eleito, com tanta unanimidade, justamente para não mudar absolutamente nada. E vai cumprir essa pauta com pompa e circunstância.

Por conveniência ou covardia pura e simples, ninguém ousa desafiar a cúpula da entidade. A blindagem não poupou nem Ronaldo Fenômeno, que se meteu a concorrer e acabou dando com a cara na porta.

Não que representasse uma disruptura, longe disso, mas era pelo uma possibilidade de alternância de poder. Seu fracasso pode ter aberto as portas para 10 anos de Ednaldo no cargo – depois do mandato atual, que vai até 2030, ele pode se reeleger por mais cinco.