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Putin tempera visita ao ditador Kim com exercício militar

Putin tempera visita ao ditador Kim com exercício militar Putin tempera visita ao ditador Kim com exercício militar Putin tempera visita ao ditador Kim com exercício militar Putin tempera visita ao ditador Kim com exercício militar
Embalado por uma retórica comunista clássica, chamando o ditador Kim Jong-un de camarada, Vladimir Putin desembarcou no início da madrugada de quarta (19, tarde de terça, 18, no Brasil) em Pyongyang
Embalado por uma retórica comunista clássica, chamando o ditador Kim Jong-un de camarada, Vladimir Putin desembarcou no início da madrugada de quarta (19, tarde de terça, 18, no Brasil) em Pyongyang

 

IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Embalado por uma retórica comunista clássica, chamando o ditador Kim Jong-un de camarada, Vladimir Putin desembarcou no início da madrugada de quarta (19, tarde de terça, 18, no Brasil) em Pyongyang. É sua primeira viagem em 24 anos à capital do obscuro regime da Coreia do Norte.

Como cartão de visitas, o presidente ordenou o início de um exercício militar de dez dias com 40 navios e 20 aeronaves de sua Frota do Pacífico em torno de águas da península coreana e do Japão, pontos que concentram quase 80 mil militares americanos.

Putin foi recebido pessoalmente por Kim no aeroporto da capital norte-coreana. Nesta quarta, haverá negociações entre ambos, assinaturas de acordos, concerto de gala, banquete de Estado, talvez um desfile militar e a visita a uma igreja ortodoxa russa.

A viagem é descrita no Ocidente como o aprofundamento de uma relação estratégica e comercial, na qual Kim incrementará o arranjo em que recebe tecnologia espacial e de mísseis russa, além da ocasional limusine presidencial, em troca de munição para Putin empregar na Ucrânia.

Mas a retórica do russo mostra que, se tudo isso pode ser verdade, há ainda outra intenção: evidenciar um aliado da Guerra Fria na versão 2.0 do conflito, no qual a União Soviética cedeu espaço para a China, mas a Rússia segue como parceiro importante deste polo. Do outro lado, segue Washington.

A Coreia do Norte, rival da aliada americana Seul, vive o pior momento de relacionamento com o sul da península dividida pela guerra de 1950-53. Após o fracasso de uma aproximação promovida por Donald Trump após testes de mísseis capazes de atingir os Estados Unidos em 2017, a relação com sul-coreanos e americanos é glacial.

Kim promove exercícios com suas forças capazes de empregar alguma das 50 ogivas nucleares que detém com regularidade, e testa mísseis balísticos quase todo mês. Tem fracassado consistentemente no lançamento de satélites, e é aí onde os russos entram também —em sua viagem ao país de Putin no ano passado, foi recebido numa base espacial.

Como o ditador vive, para todos os efeitos, num sistema congelado politicamente nos anos 1950, faz todo sentido o tom adotado por Putin em sua carta ao líder, publicada na primeira página do Rodong Sinmun, o jornal oficial do regime.

“Camarada Kim”, escreveu o russo ao ditador, usando a expressão que até hoje é empregada por russos que viveram os tempos soviéticos. “A Rússia sempre apoiou e vai continuar
apoiando a República Democrática Popular da Coreia e o heroico povo coreano na sua oposição a inimigo insidioso, agressivo e perigoso”, disse Putin, falando dos EUA.
Depois, disse que os americanos têm ameaçado a estabilidade na Eurásia ao expandir sua atuação, remetendo ao aumento da assertividade nuclear da aliança entre Joe Biden e a Coreia do Sul, para ficar nas preocupações de Kim.

Os exercícios de Putin miram mostrar que suas forças estão vivas no Pacífico, onde costumam operar em conjunto com a aliada China. É a segunda demonstração do tipo em uma semana: na segunda (17), uma flotilha russa de ataque deixou Havana, em Cuba, após cinco dias em exercícios militares no Caribe, quintal estratégico dos EUA.

O fundador da ditadura norte-coreana, Kim Il-sung, avô do líder atual, encabeçou o conflito congelado há quase 71 anos com o sul capitalista da península coreana com forte apoio soviético e chinês. Após o fim da Guerra Fria, Moscou se afastou de Pyongyang e aprovou sanções na ONU contra o regime, mas agora o jogo voltou algumas casas.

Putin mesmo só havia visitado uma vez o país, em 2000, quando encontrou-se com o pai do ditador, Kim Jong-il. Agora, deverá passar a noite em uma hospedagem para chefes de Estado construída para a recepção ao chinês Xi Jinping em 2019, ao lado do monumento em homenagem aos dois Kims, pai e avô do atual.

Putin assume um pouco o papel de Xi, nesse sentido, dado que o chinês mantém uma distância regulamentar de Kim devido a sua interdependência comercial e financeira com o Ocidente. A Rússia, sujeita a sanções duras como Pyongyang, tem pouco a perder com a demonstração de amizade.

Isso não tira o peso chinês da equação: o país responde por 90% do comércio exterior da Coreia do Norte. De seu lado, o ditador chamou a invasão do país de Volodimir Zelenski de “guerra sagrada do povo russo”.

Antes de ir a Pyongyang, Putin voou de Moscou a Iakutsk, no Extremo Oriente russo, onde se encontrou com autoridades e moradores.
Depois, sua comitiva de ao menos três quadrimotores Iliúchin Il-96 decolou, sendo a trinca de aviões mais seguida no site de rastreamento Flightradar24 no dia —eles vão em fila levando uma comitiva que inclui o chanceler Serguei Lavrov e o ministro da Defesa, Andrei Belousov, além de equipamentos como limusines. Para despistar eventuais inimigos, ninguém sabe em qual avião vai o presidente.

A visita de Putin ocorre após a cúpula de paz convocada pela Suíça no fim de semana redundar numa reunião de quem já apoiava a Ucrânia. Os russos, que não foram chamados, celebraram a falta de consenso em torno de um comunicado final do evento.
Criticados por faltar e acusados na segunda pela Otan, a aliança militar ocidental, de apoiar a guerra russa, os chineses responderam em tom inusualmente duro nesta terça.
“Aconselhamos a Otan a parar de jogar a culpa [nos outros pela continuidade da guerra] e plantar discórdia, e sim fazer algo prático para a solução política da crise”, afirmou o porta-voz Lin Jian.
Na sequência, Putin irá nesta quarta (19) ao Vietnã, país que mantém relações com o Ocidente, mas recusou participar do encontro suíço.