SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)
O presidente do Peru, Pedro Castillo, teve sua destituição aprovada pelo Congresso na tarde desta quarta-feira (7), horas depois de tentar dissolver o Parlamento e antecipar eleições, decretadando ainda um estado de exceção.
Na sequência, o Legislativo ignorou a ordem e aprovou a moção de vacância do político populista, com a vice, Dina Boluarte, sendo convocada para tomar posse como presidente às 15h (17h em Brasília). A moção, uma espécie de impeachment, foi aprovada com 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções -eram necessários 87 votos para a aprovação.
A Polícia Federal peruana, chamando Castillo de ex-presidente, informou que o político foi detido. A dissolução do Congresso é um instrumento válido no sistema peruano, desde que o Parlamento tenha rejeitado pelo menos dois votos de confiança ao mandatário. Castillo tentara se antecipar à sessão marcada para esta quarta em que Parlamento analisaria seu terceiro processo de destituição, mas fracassou.
A imprensa peruana e os deputados de oposição, que são maioria no Congresso, chamaram o movimento de Castillo de golpe de Estado. Alguns ministros apresentaram sua renúncia momentos depois do anúncio, incluindo o chanceler César Landa, Alejandro Salas (Trabalho) e Kurt Burneo (Economia). O comandante do Exército, general Walter Córdova, fez o mesmo.
Em seu pronunciamento, no fim da manhã, Castillo tinha determinado “dissolver temporariamente o Congresso da República, instaurar um governo de emergência excepcional e convocar no mais breve prazo um novo Congresso com poder constituinte, para elaborar uma nova Constituição em um prazo de até nove meses”.
Ele decretou ainda “toque de recolher em todo o país a partir das 22h desta quarta até as 4h do dia seguinte, e a reorganização do sistema de justiça -o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Junta Nacional de Justiça e o Tribunal Constitucional”.
Segundo Castillo, a medida foi tomada pensando em restabelecer o Estado de Direito e a democracia no Peru. Considerada autoritária, ela de fato foi tomada por alguns presidentes, como o ditador Alberto Fujimori, mas com muita crítica pelos que o sucederam.
A filha de Fujimori, Keiko, foi a principal adversária eleitoral de Castillo. Investigada por corrupção, ela chegou a ser presa e, após a derrota para o atual presidente com uma diferença de cerca de 50 mil votos, fez denúncias de fraudes nas eleições, nunca comprovadas.
“Pedro Castillo desfere um golpe desesperado porque sabia que lhe restavam apenas algumas horas no poder”, escreveu a opositora no Twitter. “O Congresso deve avançar com a vacância, e as Forças Armadas devem apoiar a ordem constitucional.”
A chamada moção de vacância havia sido protocolada no último dia 29 por um grupo liderado pelo deputado Edward Málaga, acusando o presidente de incapacidade moral de governar. Na véspera, outro congressista já tinha apresentado uma moção de suspensão, que afastaria Castillo por 12 meses para que se julguem ações que correm contra ele na Justiça.
O mecanismo de vacância é uma espécie de impeachment, ainda que seja uma figura jurídica distinta. Nas duas moções anteriores, em dezembro do ano passado e março deste ano, a oposição falhou ao mobilizar apoios, mantendo o esquerdista no cargo.
Mergulhados em crise, Executivo e Legislativo vinham se acusando de tramar um golpe de Estado, para dissolver o Congresso ou derrubar o presidente, a depender da visão.
O líder do partido Perú Libre, Wladimir Cerrón, pelo qual Castillo se elegeu mas manteve relação conflituosa, disse que o presidente se precipitou. “Não havia votos suficientes para a vacância”, escreveu no Twitter.
“Essa situação de nova eleição para um Congresso temporário, o Peru já viveu e é temerária”, diz Rosa Maria Palacios, analista política. Quem vem formar um Parlamento passageiro, sem chances de eleger-se para o próximo, apenas políticos piratas que vêm em busca de cravar suas bandeiras e sair de cena. Numa eleição-tampão é muito difícil ter ideias de médio e longo prazo para o Peru, é um retrocesso.”
No último dia 25, Castillo havia anunciado uma renovação de seu gabinete, a quinta em 16 meses de mandato -processo obrigatório após o pedido de demissão do primeiro-ministro, Aníbal Torres. A ex-deputada Betssy Chávez foi nomeada para o posto, mas tanto ela quanto os novos ministros teriam que obter o voto de confiança do Parlamento, em meio ao clima de confronto -Betssy apresentou sua renúncia nesta quarta.
Castillo vinha tentando cumprir uma promessa de campanha, de formar uma Assembleia Constituinte, mas sem encontrar eco para isso no Congresso.
A Constituição peruana estabelece que, se o governo for derrotado em um voto de confiança, o presidente deve recompor seu gabinete. Se o processo se repetir, o chefe do Executivo então pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições legislativas.
Esse passo já ocorreu em 2019, sob o então presidente Martín Vizcarra, depois de os congressistas rejeitarem dois votos de confiança. No ano seguinte, porém, a nova configuração do Legislativo conseguiu removê-lo do poder em meio a acusações de corrupção, coroando uma convulsão política crônica que se repete no mandato de Castillo.
O esquerdista já respondia a duas acusações constitucionais no Congresso. A primeira por traição, apoiada na ideia de convocar um plebiscito para perguntar à população se estaria de acordo com a concessão de um acesso ao mar para a Bolívia. A segunda alegava que o presidente é o líder de uma organização criminosa que busca obter propina em troca de contratos de obras públicas.
Desde o início da gestão, em meados de 2021, o líder esquerdista tem dificuldades para governar e formar alianças no Congresso -às quais neste ano se somaram protestos nas ruas.
Segundo o Instituto de Estudos Peruanos, Castillo tem hoje 28% de popularidade, mas a mesma pesquisa aponta que mais de 80% da população está insatisfeita com o Congresso.