GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O sistema de autorização de residência automática em Portugal para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), recebeu 85,7 mil pedidos em sua primeira semana de funcionamento.
A maioria dos casos é para regularização de estrangeiros que chegaram ao país como turistas, mas permaneceram para morar e trabalhar sem a documentação adequada. Até a última terça-feira (21), a plataforma já havia validado 74.725 solicitações.
Os brasileiros são, com folga, a nacionalidade mais beneficiada, respondendo por 89,4% dos pedidos realizados. Com isso, mais de 66 mil cidadãos do Brasil já obtiveram o documento, que tem validade inicial de um ano e custo de emissão de EUR 15 (cerca de R$ 84,9).
Angolanos aparecem em um distante segundo lugar, com 2,9% dos pedidos, seguidos de perto pelos cabo-verdianos, com 2,6%. A seguir vêm os cidadãos de Guiné-Bissau (2,2%), São Tomé e Príncipe (1,9%), Moçambique (0,7%) e Timor Leste (0,4%). Não houve, até aqui, pedidos da Guiné Equatorial.
A residência automática para pessoas de países lusófonos, que por enquanto só contempla quem havia dado entrada no processo de regularização até 2022, faz parte de esforços mais amplos de reforma do sistema migratório de Portugal, que depende cada vez mais dos estrangeiros para questões econômicas e demográficas.
Embora Portugal já fosse um dos poucos países da União Europeia a permitir a regularização de estrangeiros sem visto de residência ou de trabalho –principal via de imigração de brasileiros–, o processo era lento. Com o aumento da procura, os casos vinham se arrastando por mais de dois anos no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).
O país não tem a tradição de deportar imigrantes, mas os estrangeiros indocumentados têm uma série de dificuldades, como restrições aos apoios sociais e a alguns benefícios de saúde pública, além de estarem mais vulneráveis à exploração no mercado de trabalho.
“Estava há mais de um ano esperando a entrevista do SEF e nada, nenhuma previsão de quando iria acontecer. Nesse meio tempo, fiquei grávida e não consegui todos os abonos porque não tinha a autorização de residência”, diz a esteticista mineira Kelly Souza, 29, que aderiu à plataforma automática. “Sinto que agora a minha vida vai finalmente andar, porque a burocracia aqui é muito grande.”
No lançamento do programa, no último dia 13, o sistema chegou a sair do ar e apresentar instabilidades devido à grande quantidade de acessos simultâneos.
“O processo gerou muitas dúvidas para os imigrantes, que queriam saber se a nova autorização conferia os mesmos direitos que as outras, como a liberdade de circulação de 90 dias no espaço Schengen [área de circulação comum europeia]”, diz Cyntia de Paula.
“E a resposta é sim. Essa autorização de residência tem todos os direitos das outras”, esclarece ela, que tem um serviço de apoio jurídico que auxilia nos processos de regularização.
Um dos principais pontos de hesitação em relação à nova modalidade é a própria apresentação do documento. Ao contrário da autorização de residência tradicional, que é um cartão de plástico com foto, a da CPLP é uma folha de papel com as informações do estrangeiro impressas.
Nas redes sociais e em grupos de brasileiros, há diversas publicações com desinformação a respeito do tema, inclusive com pedidos para que brasileiros não submetam seus pedidos por meio da plataforma.
A presidente da Casa do Brasil reconhece que ainda será necessário um trabalho de educação e de conscientização da comunidade, dos órgãos públicos e até dos empregadores sobre o novo documento. “Vai ser preciso um tempo para que as entidades empregadoras e os serviços saibam que esse certificado [da CPLP], juntamente com o passaporte, tem a mesma validade do cartão de residência”, considera.
Uma nota conjunta dos ministérios da Administração Interna, dos Assuntos Parlamentares e da Digitalização e Modernização Administrativa encoraja os imigrantes com processos pendentes a aderirem à plataforma.
“Este é um procedimento ágil e eficiente que deve ser utilizado pelos cidadãos dos países da CPLP, dando-lhes acesso a direitos em domínios muito relevantes como educação, saúde, segurança, atividade profissional, formação e justiça”, diz o texto.
Segundo o governo, o novo sistema de autorização de residência mantém o mesmo padrão de segurança do anterior. A preocupação com a concessão de documentos a foragidos internacionais chegou a ser mencionada por alguns críticos ao modelo.
“Os níveis de segurança mantêm-se inalterados neste processo, tendo sido realizadas 4.369 consultas de segurança prévias à emissão das autorizações de residência por terem surgido alertas na análise inicial.”
Com o novo contingente de migrantes regularizados, somados aos beneficiários de novos vistos de trabalho também exclusivos para cidadãos da CPLP, o número de brasileiros legalmente residentes em Portugal já supera os 300 mil. Após alguns anos em queda, a comunidade brasileira segue crescendo ininterruptamente desde 2017.
Apesar das facilidades implementadas do ponto de vista burocrático, estrangeiros enfrentam cada vez mais dificuldades econômicas para permanecer no país. Em um cenário de inflação recorde e de aumento generalizado do custo de vida, sobretudo no preço da habitação, muitos imigrantes acabam em situação de vulnerabilidade social.
A situação é mais delicada para quem acaba de chegar à Europa. Dados da OIM, o braço da ONU para migrações, indicam que o número de brasileiros que pedem ajuda para voltar de Portugal disparou em 2022, sendo muitos deles recém-chegados ao país. Dos 1.051 inscritos no programa de retorno voluntário da instituição no ano passado, 913 eram brasileiros.