Por Sérgio Augusto do Nascimento
A cidade do Porto está no norte de Portugal; Belém também está no norte, mas do Brasil. O portuense fala com muito amor de suas origens e de sua comida; o mesmo acontece com o paraense. Quer mais uma semelhança? Anota: o paraense tem orgulho em ser reconhecido como papa-chibé, assim como todo portuense se apresenta como um tripeiro e logo em seguida estufa o peito.
É muita coincidência e “só da boa”. Mas de onde vem o tripeiro? Bem, esta é mais uma do rico acervo de histórias que o DIÁRIO NA EUROPA conta pra ti ao sabor daquele cafezinho com pastel de nata (ahhh se aqui tivesse pupunha daquela “purruda”…..).
É o seguinte: são muitas as lendas que envolvem a palavra tripeiro. Uma das mais conhecidas, remonta lá pelos idos de 1415, em plena época das grandes navegações, quando Portugal reinventou o conhecimento que se tinha sobre o planeta Terra.
D. João I era o rei. Tinha ele dois filhos, D.Pedro e D. Henrique, e um objetivo: conquistar a cidade de Ceuta, no norte da África, exatamente no Estreito de Gibraltar. Nada menos que um “point” dos mais estratégicos naqueles ontens, política e comercialmente falando.
O rei tinha muita afeição pela cidade do Porto, tanto que realizou sua cerimônia de casamento na “Invicta”. E foi também aqui que nasceu D. Henrique. Ou seja: a realeza lusitana era portuense de coração.
D. João dividiu com os filhos os preparativos para a expedição a Ceuta. Pedro ficou no rio Tejo, em Lisboa, e Henrique no Douro, no Porto. A população ajudou a construir as embarcações e tudo já estava esquematizado quando surgiu um dilema.
A viagem e permanência em Ceuta custaria semanas, meses de trabalho para as forças navais portuguesas. De onde retirar comida para alimentar centenas de homens? Neste momento o sangue portuense gritou com força: “Estes homens nos representam e merecem o nosso apoio. Vamos dar nossos estoques de comida para eles”.
E então, durante muitos dias, a população do Porto comeu apenas as “miudezas” que restaram, como as tripas e linguiça de porco, além de batatas e cebolas. Do esforço e orgulho de toda uma população em ajudar o país, nascia um dos pratos mais tradicionais da culinária portuguesa: as “tripas à moda do Porto”. Não é exagero se dissermos que trata-se de uma mistura da dobradinha com a boa e velha feijoada.
E o melhor: passaram-se os difíceis dias medievais e hoje a iguaria é servida dos lares mais humildes aos restaurantes mais caros e requintados, tanto em Portugal como em vários países do mundo, onde corre o sangue português.
Eu bem que desconfiava que a “tradução” de papa-chibé, em Portugal, era tripeiro, com muito orgulho, sim senhor!
*Sérgio Augusto do Nascimento é um jornalista paraense que vive em Portugal. Foi repórter e editor e hoje é correspondente do DIÁRIO na Europa.