Moro há mais de 40 anos na badalada Doca de Souza Franco. E gosto muito dela. Nestas quatro décadas, inclusive, pude vir acompanhando sua gradativa evolução. E nem tudo foram sempre flores ali. Lembro que tive de suportar, como morador da avenida, as agruras provenientes de micaretas baianas insuportáveis que nela se realizaram durante um bom tempo.
Idem o modismo de riquinhos estacionando carrões em frente aos prédios para tocar lixos musicais sertanejos em alto volume. Ninguém podia conversar, ver televisão ou dormir. Hoje a mania incômoda fica por conta das desenfreadas corridas de motocicletas sem escapamentos. Tais veículos, dirigidos por gente, em geral, sem capacete, parecem não ter a menor piedade dos habitantes do lugar, poluindo sonoramente o espaço com seus terríveis “pa-pows”.
Quando fui morar na Doca, ela era cheia de buracos. Ainda não havia o Líder, o Boulevard Shopping, a Pague Menos, os bancos, as farmácias e os edifícios enormes. Enfim, que motivos então eu teria para querer residir na avenida? Talvez o desejo de ser vizinho do Quem São Eles e do bar Gato & Sapato, do Janjo (hoje edifício Times Square). Afinal, curtia os dois de montão. Além do mais, eu havia acompanhado a construção do edifício Ismael Nery e me apaixonara por ele, mudando-me de armas e bagagem, sem demora, para o dito cujo.
A partir daí passei a ser morador do bairro do Umarizal, tido na época como um “suburbão” em pleno centro da cidade. Ruas como Boaventura, Diogo Móia, Domingos Marreiros e Wandenkolk conviviam com solos piçarrentos. Não dava gosto de andar de carro por elas.
Com o passar do tempo, a coisa melhorou. Primeiro com o Coronel Nélio Lobato, depois com o Dr. Hélio Gueiros. Os dois prefeitos revolucionaram o lugar. Hélio, inclusive, dizia-se “tarado por Doca”, consagrando a avenida, mais tarde, como um fantástico e inesquecível sambódromo. Com o passar dos anos, malgrado seu esgoto a céu aberto, a Visconde de Souza Franco virou coisa fina, com edificações gigantescas e farto comércio. O “suburbão” metamorfoseou-se, e até o Quem São Eles ficou sendo olhado com desdém pelos novos habitantes do lugar. Mesmo assim, a Doca manteve alguns resquícios antigos. Borracharias, ateliers de costura, mercearias, sapateiros e pequenas padarias permaneceram, forçando um contraste que mantém-se lutando para
continuar a viver.
Neste panorama, apareceu há uns cinco anos o sr. Clécio Madeira, contratado em São Paulo para gerenciar a administração de um poderoso grupo sulista de tecidos ali instalado. Madeira ganhara um “ap” de cobertura, com visão privilegiada para o canal. Sentia-se o próprio rei. Num feriado, com o Líder fechado, sua mulher pediu-lhe para comprar o pão. Informado pelo porteiro que na esquina havia a padaria do Joaquim, um português que vivia de camiseta, ele foi lá de bermudas mesmo, buscando preservar ares de superioridade.
Não havia ninguém na padaria. Só o Joaquim e sua camiseta. O português tinha acabado de abrir uma cerveja e foi logo dizendo sem papas na língua: “ô gajo, abri esta cerveja e não gosto de beber sozinho… Senta aí na mesa e bebe comigo!”. Madeira não esperava por essa. Mas viu a oportunidade de se enturmar, em que pese daquele jeito. Aí, tomou umas cinco. Chegou em casa de olhos vermelhos e sem o pão. Esquecera em meio as cervas e os tira-gostos de salame que festivamente, despido da pose, consumira. A bermuda manchou e a elegância da chegada estacionara na porta. O vizinho chique, pois, entrara no clima.
Madeira ainda hoje mantém-se cheio de soberba, fazendo tudo o que deve fazer. Veste-se todo arrumadinho como exige sua ocupação. Só que, aos domingos, não dispensa a bermuda manchada nem a cervejinha gelada na padaria do Joaquim. Afinal, ninguém é obrigado a ser chique o tempo todo.
João Cavalcanti e a nobreza da obra de Dona Ivone Lara
Fundador e ex-vocalista do grupo carioca Casuarina, João Cavalcanti, filho do compositor pernambucano Lenine, resolveu festejar de forma inusitada os 100 anos de idade que Dona Ivone Lara comemoraria. É que o CD “Eterna Dama do Samba” subtraiu violões, cavaquinhos, surdos e tamborins em prol de violoncelo (Adriana Holtz), piano (Claudia Elizeu), violino (Vanessa Dourado) e acordeon (Marcelo Caldi). Cantados em forma de devoção, os sambas de Dona Ivone trafegaram, no caso, entre a erudição e a linguagem da rua, entre a sofisticação e a simplicidade. Em síntese: maravilhosos, diferentes, lotados de nobreza. Jóias tipo “Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço”, “Sonho Meu”, “Sereia Guiomar” e “Alguém Me Avisou” ressurgiram sob sabores tão incomuns quanto impactantes. A eterna dama do samba há muito que merecia louvores desta magnitude.
Quinta-feira, a antessala do final de semana, o dia em que a gente já toma a primeira…
MILAGRE
Santos de casa ainda fazem milagres. Nilson Chaves lotou o Theatro da Paz em pleno sábado, às 20h, para o lançamento do CD “Segue o Barco”.
SINTRA
Fafá não está em Belém; se encontra em Portugal, mais precisamente, na cidade lusitana de Sintra, conhecida por seus castelos fantásticos. Ainda estamos tentando que ela faça uma “Feira do Som” ao vivo com a gente até dezembro.
TÔ DE ONDA
A cantora paraense Aíla gravou “Tô de Onda”, com direito a clipe ambientado aqui em Belém e participação do rapper paulistano Rincon Sapiência. Aliás, também o papa-chibé Eloy Iglesias aparece nas imagens. O novo CD de Aíla se intitula “Sentimental”.
Quinta-feira, a antessala… Divirtam-se!