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O charme irresistível de Al Pacino em "Perfume de mulher"

Frank Slade é um homem amargurado, de comportamento irascível e, por vezes, errático. Tenente-coronel aposentado do exército, ficou cego após explodir uma granada em uma brincadeira de mau gosto. Desde então, a convivência com os outros e consigo mesmo é sempre no limite, flertando com o abismo. Contudo, em um desses paradoxos maravilhosos, ele protagoniza uma das cenas mais encantadoras do cinema, quando descobrimos que “a vida é um tango, em que o principal são os movimentos. Se parar, a dança para. Se parar, a vida para”. Uma aula de delicadeza e simbolismo ao som de “Por una cabeza”, de Carlos Gardel.

O mérito é todo de Al Pacino. Só um ator genial como ele poderia fazer com que o público ultrapassasse a barreira da antipatia e até da piedade em relação ao personagem principal de “Perfume de Mulher” e nos envolvesse em seu charme irresistível, revelado em doses homeopáticas, dada a complexidade do seu temperamento. Uma fala aqui, uma atitude ali, e acabamos percebendo que é simplesmente impossível não gostar desse militar frustrado com a vida e que resolve por um fim nela. O papel, inclusive, rendeu o único Oscar da carreira de Pacino.

Slade planejou uma viagem de fim de semana até Nova York onde desfrutaria de tudo aquilo que lhe daria prazer: comer e beber bem, a companhia de mulheres, uma visita ao irmão… Um ritual de despedida, já que tudo isso terminaria com uma bala na cabeça em um hotel de luxo. Ele só não contava com Charlie, um doce e tímido jovem que foi contratado para ser o seu guia. Chris O’Donnel também faz um belo trabalho nesse personagem, ressalte-se. Pois dele reverberam emoções difusas, um misto de intimidação, repulsa, respeito e admiração. A química entre os dois é perfeita e crucial para que o filme funcione.

Uma amizade improvável e uma química perfeita – Foto: Divulgação

A estrutura estabelecida pelo diretor Martin Brest é quase de um “road movie”, com Slade e Charlie conversando sobre a vida e seus dilemas morais durante a viagem, especialmente do garoto, que passa por problemas no colégio e pode perder a sua bolsa de estudos, já que não quer dedurar os seus colegas de classe e, como é o elo fraco por ser pobre, pode ser expulso. É a integridade de Charlie que chama a atenção de Slade, o que os aproxima. “Toda a vida enfrentei a tudo e a todos porque me fazia sentir importante. Você faz por seus princípios. Tem integridade. Não sei se te mato ou te adoto”, diz ele.

É a mesma lógica que faz Charlie brigar pela vida de Slade, mostrar que vale a pena continuar para “sentir” outro dia. Que limitações existem, mas podem ser superadas. A cena em que o tenente-coronel dirige uma Ferrari é emblemática. São sensações, aromas, movimentos… Liberdade, enfim. É isso que importa. “Nada é mais triste que ter o espírito amputado. Para isso não há prótese”. Slade amputou o seu espírito por conta própria, se afundou nas sombras por tempo demais. E cabe a Charlie fazê-lo perceber que há luz em seu caminho.

“Perfume de mulher” não é um filme de grandes arroubos técnicos ou originalidade narrativa. Mas é extremamente bem executado e cumpre sua função primordial: emociona. É poético, exuberante e melodramático. É como o seu tango icônico ensina e a Donna da bela Gabrielle Anwar certamente levou a lição para a vida: se errar, é só continuar a dançar. Não pare. A coreografia pode até ser complexa, mas a nossa capacidade de improvisação é maior ainda. Lembre-se disso.

ONDE ASSISTIR:

  • Netflix
  • Amazon Prime Video
  • Star+
  • Oi Play
  • Claro Video (para alugar)
  • Apple TV (para alugar)

*Fale com o colunista: [email protected]