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Nosferatu sem graça

Nosferatu sem graça

Desde que o livro de horror gótico “Drácula” foi publicado em 1897, a figura do monstro ganhou uma aura cult, tanto na literatura quanto no cinema, graças à natureza do mesmo: sem motivação aparente, mas uma figura extremamente cruel e poderosa, a banalização do mal puro. E até hoje esse culto permanece. É só ver a quantidade de livros e filmes que têm o conde vampiresco como personagem ou inspiração.

Um deles é a versão, justamente, de um dos capítulos do livro, quando Drácula embarca para Londres em um barco, o Demeter, que chega em terras inglesas completamente vazio, apenas com imensos caixões como bagagem, tendo a parte do livro narrada pelos escritos do capitão do navio, durante o massacre da sua tripulação. “A Última Viagem do Demeter” (2023), novo filme do diretor André Øvredal (“O Caçador de Troll”, “A Autópsia” e “Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro”) tenta contar o que teria acontecido nesses quatro meses de viagem, sob o ponto de vista dos integrantes do barco.

É uma premissa interessante, já que trabalharia o texto literário como um beco sem saída para os humanos diante de uma poderosa ameaça à espreita, usada à exaustão em outros roteiros, mas que ainda rende ideias interessantes. Øvredal é um bom diretor de terror e cria cenas angustiantes envolvendo o monstro, uma versão mais cruel do clássico “Nosferatu”. Por sinal, o trabalho de maquiagem é primoroso e o design da criatura mescla o aterrador com o animalesco.

O problema da nova adaptação está no roteiro, que não consegue trabalhar bem os personagens e nem a expectativa, o que é curioso já que o diretor se destacou nos longas anteriores justamente por saber segurar o espectador no suspense. Aqui, já vemos Drácula desde o início. A passagem de tempo também é bem irregular e não sabemos exatamente em que ponto da história estamos. Sobram uma fotografia bonita e um design de produção bem feito do navio.

Mesmo assim, é técnica demais para um filme meio genérico, que mesmo divertido, não consegue gerar empatia pelos personagens e nem ir além do fabril de mais uma adaptação que sabemos o final, mas que poderia render um segmento mais criativo e único. O final do filme deixa um gancho para uma sequência que provavelmente nunca verá a luz do dia, literalmente.

Nem o estúdio Universal apostou no filme, que teve uma campanha de marketing quase nula e uma passagem relâmpago pelos cinemas, causando mais um prejuízo à produtora, que não consegue reabilitar seus monstros clássicos e tem acumulado fracassos nesse gênero nos últimos anos.

Melhor sorte da próxima vez para Øvredal, que é um diretor talentoso, mas parece meio perdido em solo americano. E que deixem Drácula descansar um pouco no seu caixão, nos poupando da falta de criatividade recorrente no cinemão americano.