Luiz Octávio Lucas
Com o advento da internet e do home office, o termo ‘nômade digital’ (ND) se popularizou, conquistou mais de 35 milhões de pessoas no mundo e deve chegar a 1 bilhão de trabalhadores em 2035, segundo estimativas recentes. Ser um nômade digital significa trabalhar de forma remota, sem residência fixa, e sair por aí, de cidade em cidade, estado a estado, país a país, continente a continente, a cada dia, semana, mês… Ou seja, é preciso ter um perfil desbravador, curioso, de alguém com disposição a não se prender em lugar algum e pronto para ser cidadão do mundo.
É o caso da Simone Lopes, 45 anos, consultora de marketing para empreendedores brasileiros na Europa. Em seu site (https://www.simonenaeuropa.com/), ela conta que já viveu em mais de 6 países, trabalhando, organizando eventos e atividades culturais para diversos grupos étnicos em vários idiomas, além de colaborar na área cultural, turística e comercial de organizações governamentais do Brasil na Europa.
Simone diz que “ajuda pessoas a realizarem seus sonhos” e, em suas consultorias, auxilia quem deseja viver e trabalhar na Europa, seja com o próprio negócio ou com prestação de serviços. “Não foi uma decisão minha, foi acontecendo. Em 2007 fui transferida para Málaga, Espanha, pela minha empresa, e todo meu trabalho era remoto já naquela época, ela deixava eu trabalhar dentro de casa. Então eu aproveitava para viajar e trabalhar, além de ter visitas a cidades onde eles queriam que eu instalasse escritórios deles”, explica.
“Eu já fazia isso antes da Covid, trabalhava remoto e dava aquelas escapadas para conhecer os lugares”, conta. “Depois passei a trabalhar em navios de cruzeiro, digitalmente. É uma flexibilidade, mas uma responsabilidade, de estar em uma praia com todos se divertindo e eu resolvendo problemas de clientes. Você precisa ter essa responsabilidade de trabalhar de qualquer lugar”, destaca.
Simone hoje tem nacionalidade europeia e pontua que tenta circular mais pelos países do Velho Continente, sem grandes mudanças de fuso horário. “Tento manter isso para não me perder, até porque tenho horário para prestar serviço”, diz. A ND fica de três a seis meses em cada lugar escolhido para viver e trabalhar. “Espanha e Portugal são países mais fáceis”, pontua, lembrando que algumas nações fazem exigências para conceder vistos especiais para os nômades, o que nem sempre é necessário, sendo que o pouco tempo em cada lugar pode ser facilmente suprido com visto de turista comum.
“Outro país que me senti superbem, com temperatura agradável, amigável, tem muita gente que trabalha lá assim, é Malta”, dá a dica. “Basta você ter algum negócio ou trabalhar para uma empresa que permita o trabalho à distância”.
A fonte de renda também pode ser diversificada. “O próprio apartamento que vivo, eu alugo pelo AirBNB quando estou viajando. Tenho três apartamentos que administro, além de alguns de outras pessoas”, explica sobre seus rendimentos.
Por não ter um lugar fixo, Simone diz que leva mala pequena onde coloca tudo que necessita, mas nem sempre tudo sai como planejado. “Fui arrumar a mala com roupas de frio pois ia para Bruxelas e depois Malta, que era verão, aí pensei em comprar roupa de verão lá e não tinha. Não tinha camiseta nas lojas. Fiquei andando com uma mesma roupa que tinha que lavar todo dia”, conta aos risos.
INTERNET
Outro nômade digital experiente é Daniel Rodrigo Pereira, 30 anos, analista de TI/desenvolvedor. A vida de viajante começou quando ele passou a perceber que precisava apenas da internet e energia elétrica para trabalhar em qualquer lugar que estivesse. “Vi que não precisava tirar 15 dias de férias para ir de São Paulo para Fortaleza, gastar R$ 1.500 de passagem. Eu poderia ir subindo e trabalhando, sem ser em uma viagem em curto prazo. Foi assim que comecei”, destaca.
Já são dois anos nessa vida. “Fui pegando gosto, conheço as pessoas, vou criando uma rede de amigos, pessoas que me apresentam o que tem de melhor em seus lugares”, descreve. “Vi essa possibilidade depois da pandemia. Já conheci todos os estados brasileiros, menos o Amapá. Conheço Belém e Ilha do Marajó, Manaus… visitei Venezuela, Bolívia”, conta sobre viagens que ele chama de ‘big trips’. Hoje Daniel está na Europa, onde mora desde agosto do ano passado, e já passou por mais 11 países.
“O brasileiro entra com o passaporte na Europa, em toda a América Latina, sendo que tem países que entram só com o RG. Tem as regras. Nos EUA não pode passar mais de seis meses”, exemplifica. “A vantagem é que a partir do momento que você não está mais feliz em um lugar vai para outro. Você tem a liberdade de ir para onde você quer. A desvantagem é a parte sentimental, as despedidas. Você cria vínculos fortes com as pessoas e depois tem que ir embora”, observa. Sobre os perrengues, não há como escapar. “Dormi em ônibus para poupar diária em hostel, dormi em aeroporto…”
Ele ressalta a importância de aprender ao menos o inglês para se comunicar nos países e um planejamento em longo prazo com definição de fonte de renda, roteiro, etc.
“A grande causa foi a minha curiosidade”
Matheus de Souza, 34 anos, é escritor e educador. Autor do livro ‘Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser’, finalista do Prêmio Jabuti em 2020, já passou por 30 países. Atualmente em Paris, ele concedeu esta entrevista ao DIÁRIO, via WhatsApp, onde fala sobre a experiência no assunto, além de desmistificar o termo ‘nômade digital’ para algo viável a qualquer pessoa disposta a encarar a experiência.
P Como você decidiu ser um nômade digital?
R Eu sempre tive o sonho de conhecer novas culturas, de estar em contato com pessoas que vieram de lugares completamente diferentes do meu. A grande causa foi a minha curiosidade. Amo o Brasil, amo a cidade em que nasci, mas essa vontade de explorar o mundo existe desde que sou criança.
P Qual o conceito de um nômade digital?
R Um nômade é alguém que não tem residência fixa, que está sempre em movimento. O nômade, quando digital, é digital porque se apropria da internet para executar seu trabalho de qualquer lugar do mundo –– mantendo sua carreira ou criando uma nova. Ou seja, o nômade digital é um sujeito que trabalha de forma remota enquanto viaja pelo mundo – mas nem todo trabalho remoto necessariamente é feito por nômades digitais.
Vivi uma vida nômade em 30 países (entre 2017 e 2023). Comecei a viajar porque queria conhecer novas culturas, pessoas e sabores. Mark Twain disse certa vez que “viajar é fatal para o preconceito”. Pra mim, esse é o principal benefício. Você aprende que, independentemente da cultura, da crença, do idioma, dos costumes, da criação, pessoas são pessoas em qualquer lugar do mundo.
P O que você fazia antes?
R Eu batia o ponto todo dia às 12h30 e ficava até às 22h trabalhando como assistente de marketing em uma faculdade; algo que eu poderia facilmente fazer de forma remota.
P Quais os países mais amigáveis para os nômades?
R Para o nômade brasileiro, qualquer lugar com a moeda desvalorizada, um povo amigável e uma internet boa. Exemplo: Tailândia ou Indonésia.
P Como fica a questão dos vistos nos países?
R O Brasil tem um dos melhores passaportes do mundo. Como o nômade não tem uma residência fixa, em tese, você viaja como um turista, sem a necessidade de um visto específico; desde que, obviamente, você tenha um vínculo empregatício em algum país (no meu caso, tenho um CNPJ no Brasil). Até existem vistos específicos para nômade digitais, mas, apenas do nome, eles não fazem tanto sentido para esse tipo de viajante; uma vez que esse tipo de visto oferece uma residência, algo que o nômade, na origem da palavra, não tem (e nem quer ter).
P Quais as vantagens?
R Não vejo que seja algo do tipo “vantagens e desvantagens”. Ser nômade não tem, necessariamente, mais vantagens de viver a vida do que alguém que não vive assim. E tá tudo bem, sabe?
P Quais as desvantagens?
R A saudade de quem fica; no meu caso, acho que só.
P Já passou perrengues?
R Sim, mas nada que um viajante qualquer não esteja sujeito; perder a carteira, enfrentar alguma barreira linguística, nada demais.
P Você tem um livro sobre o assunto. Falei um pouco sobre ele e onde consegui-lo.
R Em ‘Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser’, livro finalista do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Economia Criativa, mostro o passo a passo para aqueles que estão pensando em abandonar a vida de escritório. Desmistificando o estereótipo de ‘mochileiro itinerante’, o autor revela como se preparar para viver todos os lados desta jornada: o lado glamouroso das viagens e experiências exóticas e também o lado das dificuldades em lidar com orçamentos apertados, contratempos, trabalho remoto, além de surpresas nada agradáveis. O livro pode ser encontrado nas maiores livrarias do Brasil; e na Amazon, nas versões física e digital.
Daniel Pereira
Matheus de Souza lançou o livro ‘Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser’,
FOTOS: Arquivos pessoais
Simone Lopes