SAÚDE-EUTANÁSIA

Permissão para suicídio assistido e eutanásia avança na Europa

O número de países europeus que permitem algum tipo de morte assistida, prática escolhida pelo escritor Antonio Cicero para encerrar a vida nesta quarta-feira (23).

Atualmente, oito países do continente autorizam algum tipo de ajuda médica para morrer.
Atualmente, oito países do continente autorizam algum tipo de ajuda médica para morrer. Foto: Reprodução/Ilustração

O número de países europeus que permitem algum tipo de morte assistida, prática escolhida pelo escritor Antonio Cicero para encerrar a vida nesta quarta-feira (23), vem aumentando nos últimos anos -e pode crescer mais com os debates iniciados neste ano na França e no Reino Unido.

Atualmente, oito países do continente autorizam algum tipo de ajuda médica para morrer. A Suíça, onde Cicero realizou o procedimento de suicídio assistido, permite a morte assistida desde 1942, a primeira legislação do tipo no mundo.

Atualmente, porém, também é possível para algumas pessoas escolher morrer com a ajuda de médicos e organizações na Holanda, na Bélgica, na Espanha, na Alemanha, na Áustria, em Luxemburgo e em Portugal.

A prática é criminalizada no Brasil. Na América Latina, apenas a Colômbia permite a morte assistida, tanto por eutanásia quanto por suicídio assistido.

As leis possuem variações nacionais dentro do que se chama de “morte assistida”. Isto porque há diferença entre o suicídio assistido e a eutanásia, que é permitida na Holanda, mas ilegal na Suíça, por exemplo.

No primeiro caso, os pacientes recebem ajuda para morrer, mas cabe a eles encerrar a própria vida -se administrando, por exemplo, a dose fatal de um medicamento. Já na eutanásia, a dose letal seria administrada por outra pessoa, geralmente um profissional médico. Essa é uma forma considerada mais polêmica da prática, já que a ação é efetivamente realizada por uma terceira pessoa.

“Todos os países que permitem a eutanásia permitem a morte assistida, mas o contrário não é verdade”, explica o professor David Rodriguez-Arías, da Universidade de Granada, na Espanha.
Ele também afirma que a legalização das práticas de morte assistida costumam vir associadas a uma alta aceitação social do procedimento.

É o caso de Portugal, que aprovou em 2023 a Lei da Eutanásia. Pesquisa realizada no mesmo ano pelo instituto Aximage afirmou que 61% dos portugueses votariam a favor da eutanásia se houvesse um referendo sobre o assunto.

Em todos os países da Europa onde a eutanásia ou o suicídio assistido são permitidos, os pacientes devem cumprir critérios para elegibilidade. Na Holanda, por exemplo, é necessário que o paciente não tenha perspectiva de melhora e esteja em sofrimento agudo. Além disso, é preciso que o pedido de eutanásia ou suicídio assistido seja feito consistentemente, e sem influência de substâncias psicoativas.

Não há, em nenhum país do continente, necessidade de comprovação de que a doença é terminal -como em partes dos Estados Unidos, onde o procedimento é legal para aqueles que tenham prognóstico de no máximo mais seis meses de vida.

Por isso, casos como o de Cicero, que tinha o diagnóstico de Alzheimer, são considerados elegíveis para o procedimento em todo o território europeu. Em carta deixada a seus amigos, o escritor explicou a decisão.

“Como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo”, escreveu. “Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.”

A dignidade é evocada em campanhas para a descriminalização em países como o Reino Unido, que deve começar a discutir uma mudança na legislação inglesa e galesa em novembro. A organização Dignity in Dying, que defende a legalização da morte assistida apenas em casos terminais, diz em seu manifesto que cabe a adultos que já estejam morrendo o direito de “decidir quando e como querem morrer”.

Ao mesmo tempo, críticos da morte assistida se dizem preocupados com a possibilidade de que ela leve à morte de pessoas vulneráveis. A ONG Care Not Killing (Cuidado Não Morte) afirma que uma descriminalização poderia levar pessoas “que têm medo de se tornar um fardo para familiares” a buscarem o suicídio assistido ou a eutanásia.

Para o professor Rodriguez-Arías, não há dados hoje na literatura que comprovem essa hipótese. “É preciso que haja sistemas de salvaguardas, mas uma abordagem tudo ou nada pode criar injustiças”, diz.

Ele menciona, por exemplo, casos complexos como o de pessoas que buscam o suicídio assistido por causa de doenças mentais. Em maio de 2024, o suicídio assistido de Zoraya ter Beek, holandesa fisicamente saudável de 29 anos que sofria com depressão, ansiedade e tinha diagnóstico de autismo, gerou discussões sobre o alcance da morte assistida.

Em 2010, foram dois casos de suicídio assistido envolvendo sofrimento psiquiátrico na Holanda. Em 2023, o número aumentou para 138, mas ainda representa apenas 1,5% do total de mortes assistidas no país.

“Esses são casos de vulnerabilidade e questões mentais são muito complexos”, diz Rodriguez-Aría. “Ao mesmo tempo, se o sistema não provê para as pessoas o cuidado social, financeiro, ou médico que elas precisam e também não prevê que elas possam tomar decisões sobre a própria morte, o que pode acontecer é uma dupla injustiça.”

Para o professor da Universidade de Granada, o principal para garantir que a morte assistida seja oferecida de forma justa é a existência de revisões nos procedimentos. Na Espanha, por exemplo, a eutanásia é permitida apenas depois de uma segunda opinião médica e da reavaliação da decisão por um comitê.

Alguns países europeus não permitem a morte assistida de forma ampla, mas pacientes receberam decisões favoráveis na Justiça para realizá-la. É o caso da Itália, que realizou seu primeiro suicídio assistido em 2022. Um homem de 44 anos, paralisado havia 12 anos em um acidente de carro, foi autorizado a morrer em casa depois de anos de disputa judicial.

Depois de sua morte, a associação que o ajudou a conseguir o direito à ajuda médica para morrer divulgou o que seriam suas últimas palavras. “Eu fiz tudo que podia para viver da melhor forma possível”, escreveu. “Eu estou totalmente sereno e calmo sobre o que vou fazer. Agora estou finalmente livre para voar para onde quiser.”

Em caso de risco de suicídio, saiba onde procurar ajuda

Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio
Oferece grupos de apoio aos enlutados e a familiares de pessoas com ideação suicida, cartilhas informativas sobre prevenção e posvenção e cursos para profissionais.
vitaalere.com.br

Abrases (Associação Brasileira dos Sobrevivente Enlutados por Suicídio)
Disponibiliza materiais informativos, como cartilhas e ebooks, e indica grupos de apoio em todas as regiões do país.
abrases.org.br

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato pelo site e telefone 188.
cvv.org.br