GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estará presente nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura em Portugal, em 25 de abril. O Brasil será representado nos festejos em Lisboa pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Além de Lula, só mais um chefe de Estado da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) estará ausente: o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo. Segundo a Presidência lusa, os líderes de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste comparecerão às celebrações.
Questionados, o Itamaraty e a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República não informaram os motivos para a ausência de Lula, que esteve em Portugal em 2023 para os festejos dos 49 anos da redemocratização lusitana.
Em março, na reta final da campanha das eleições para o Parlamento, o líder do partido de ultradireita Chega, que recebeu apoio declarado de Jair Bolsonaro (PL), afirmou que, se fosse eleito primeiro-ministro, proibiria a entrada de Lula no país durante os festejos da revolução. André Ventura ameaçou ainda prender Lula em caso de uma eventual insistência na visita.
Embora não tenha sido eleito premiê, Ventura mais que quadruplicou a representação parlamentar de seu partido, que saltou de 12 para 50 deputados.
Em 2023, a bancada do Chega fez um protesto durante a fala de Lula em uma sessão especial do Parlamento alusiva à Revolução dos Cravos. Batendo nas mesas, os deputados da ultradireita chegaram a interromper o discurso do brasileiro.
As manifestações nas ruas convocadas pela legenda, no entanto, tiveram baixa adesão. Ainda assim, a situação foi considerada um constrangimento para o brasileiro, que iniciava em Portugal sua primeira viagem à Europa no terceiro mandato.
Naquela ocasião, o aniversário da Revolução dos Cravos aconteceu no dia seguinte ao encerramento da Cúpula Luso-Brasileira. Prevista para acontecer a cada dois anos, a reunião de alto nível entre os governos dos dois países não era realizada desde 2016 e foi marcada para abril justamente para permitir a presença de Lula na data mais importante do calendário político português.
Com participação de vários ministros de ambos os lados e assinatura de 13 acordos, o encontro diplomático coroou a reaproximação entre os líderes de Portugal e Brasil. Bolsonaro foi o único presidente brasileiro desde a redemocratização -com exceção de Itamar Franco, que teve um mandato mais curto- que não realizou uma viagem oficial ao país ibérico enquanto esteve no cargo.
Um dos motivos do distanciamento de Bolsonaro foi ideológico, uma vez que Portugal era então governado por António Costa, do Partido Socialista. Com Lula no poder, a afinidade entre os líderes de esquerda contribuiu para aproximar as nações.
O brasileiro foi a Lisboa ainda como presidente eleito, em novembro de 2022, na volta da viagem à COP27, a conferência do clima da ONU, realizada no Egito. O cenário político luso, no entanto, agora é outro. Portugal tem, desde 2 de abril, um premiê de direita: Luís Montenegro, do Partido Social Democrata.
Uma semana após a posse de Montenegro, o brasileiro falou por telefone com o português para parabenizá-lo pela vitória e desejar boa sorte no cargo. Em uma nota, o governo brasileiro afirmou que o premiê “falou de seu empenho em trabalhar pelo estreitamento das relações entre Brasil e Portugal”.
Na avaliação da cientista política Ana Paula Costa, pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais, o relacionamento entre Portugal e Brasil tem, historicamente, momentos de aproximação e de afastamento, mediante a conjuntura internacional e local nos dois países.
Contudo, segundo ela, independentemente das orientações políticas de ambos os lados do Atlântico, as relações normalmente têm se pautado pelo senso de Estado.
“Com Portugal, há uma ligação histórica muito forte, dos laços culturais, da língua, dos acordos comerciais e bilaterais. Há uma relação de Estado que está para além dos governos. Tanto governos de esquerda quanto de direita em Portugal tentaram ter uma relação diplomática [com o Brasil] para preservar todos esses traços que ligam os dois países”, afirma.
A pesquisadora diz considerar improvável que haja um novo afastamento, como na época de Bolsonaro, entre Portugal e Brasil. O crescimento da ultradireita, contudo, representa uma novidade nas relações. “O que há de novo é um partido de direita radical populista muito expressivo no Parlamento e que é claramente anti-Lula. Isso talvez possa influenciar, mais na esfera do debate.”
Em seu discurso de posse, Montenegro mencionou brevemente a CPLP. “Tudo faremos para projetar mais a nível global a nossa comunidade de povos irmãos”, disse.
O maior passo recente para projeção internacional da lusofonia, porém, foi dado pelo Brasil, que, atualmente na presidência do G20, convidou Angola e Portugal para serem observadores do grupo. Essa foi a primeira vez que Portugal recebeu o convite para ser observador do clube das maiores economias do mundo, e a diplomacia lusa já manifestou agradecimento ao Brasil em diversas ocasiões.