Eles se falaram pela última vez ao telefone cerca de duas semanas antes da internação do Papa Francisco. Conversaram sobre vários temas, como sempre, e o Sumo Pontífice comentou, sem dar grande importância ao episódio, que sofrera uma queda recentemente. Nada demais, disse Francisco, segundo relata sua interlocutora, a jornalista e escritora italiana Francesca Ambrogetti, coautora, junto com o argentino Sergio Rubin, de dois livros baseados em entrevistas com o Papa. O primeiro deles, intitulado “O Jesuíta. Conversas com Jorge Bergoglio”, foi escrito quando o Sumo Pontífice ainda era arcebispo de Buenos Aires. O segundo, “O Pastor. Desafios, razões e reflexões de Francisco sobre seu Pontificado”, é o resultado de vários encontros entre os autores e o Papa, no Vaticano.
Em seu apartamento no bairro de Palermo, Ambrogetti conta que “as conversas com o Papa são frequentes, e que, na última, sentiu que ele estava cansado. Mas descartou de forma taxativa a possibilidade de uma renúncia. A escritora, que em 2019, em Roma, sofreu a mesma patologia que Francisco e passou duas semanas internada, acredita que o Papa se recuperará e, em qualquer cenário, “só renunciará quando sentir que não pode fazer seu trabalho”.
– O Papa deixou bem claro: não se governa com as pernas e sim com a cabeça. Sua personalidade é a de uma pessoa que não abandona o barco.
Quando foi a última vez que a senhora falou com o Papa? Como ele estava?
Falamos mais ou menos duas semanas antes de sua internação. Estava bem, de bom humor, como sempre. O vi e ouvi pouquíssimas vezes de mau humor. O Papa está sempre bem e é sempre muito atento. Ele tem a capacidade de prestar atenção nas pessoas com as quais conversa, o que é impressionante. Lembra de coisas que nem nós lembramos. Quando nos encontrávamos para escrever os livros, ele se recordava exatamente de onde tínhamos parado a conversa; sempre ficamos muito impressionados com isso. E, nessa última conversa, falamos sobre como estávamos, eu e ele. Me contou, sem dar muita importância, que havia sofrido uma queda e disse que não era nada. Eu contei de algumas dores também.
A senhora notou alguma coisa estranha?
Ele parecia cansado.
Nos últimos dias, circularam rumores sobre a possibilidade de renúncia do Papa. Existe uma carta assinada há dez anos, para casos de emergência. A senhora acredita que essa alternativa esteja sendo cogitada por Francisco?
Eu não apenas descarto a possibilidade de renúncia, como também falo com muitas pessoas próximas do Papa, que o conhecem bem, e elas também a descartam. Ele só vai renunciar, e essa carta de renúncia está assinada, como sabemos, caso sinta que não está em condições de continuar trabalhando. Para mim está muito claro que o Papa só vai renunciar se não puder fazer seu trabalho. Sua personalidade é a de uma pessoa que não abandona o barco.
Existem pressões para que o Papa renuncie?
Sim, e não são de agora. Elas se intensificaram quando ficou clara sua mobilidade reduzida. Mas ele sempre diz que governa com a cabeça, e não com as pernas. O Papa continua trabalhando mesmo doente – os hospitais onde ele se interna costumam ser chamados de Vaticano II. Pessoas próximas disseram que essas pressões não adiantam. O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, as considerou “inúteis”. Quem conhece Jorge Bergoglio sabe que ele não cede a pressões, pelo contrário: elas podem reforçar ainda mais suas convicções.
Ele está trabalhando no hospital?
Sim, está trabalhando. Ele aceitou a cadeira de rodas, e é uma pessoa absolutamente autossuficiente, não gosta que façam nada por ele. Isso foi um sinal.
Durante as entrevistas para os livros, Francisco mostrou esse lado de sua personalidade?
Sim! Uma vez, no Vaticano, eu lhe pedi fotos de sua infância. Já tinha algumas, mas precisava de mais. Ele pediu um minutinho, levantou-se, andou por um corredor enorme, subiu um elevador, foi até seu quarto e voltou com um álbum de fotos. Não resisti e perguntei por que ele não tinha pedido a um assistente para buscar. E sua resposta foi simples: “Por que vou pedir para fazerem algo que eu mesmo posso fazer?” O trabalho dele é mais mental do que físico, e enquanto ele puder fazer esse trabalho vai continuar.
Existem muitas histórias de quando era arcebispo de Buenos Aires: andava de metrô, resolvia tudo praticamente sozinho?
Ele sempre foi assim e não mudou como Papa.
Francisco nunca voltou a seu país. Seus problemas de saúde poderiam impedir uma visita aos argentinos?
Uma visita foi cogitada no ano passado, mas agora acho complicado. E essa não ida a seu país fala também sobre como Francisco encara suas missões na vida. Ele sempre disse que Buenos Aires era seu lugar no mundo, e sempre foi muito apegado à sua família, mas nunca mais voltou. Priorizou outras coisas e, como sempre, deixou por último o que era importante para ele.
Na Argentina Francisco é menos popular do que muitos imaginam…
Sim, é difícil de explicar, tem a ver com vários elementos. Ele não ficou muito conhecido como cardeal Bergoglio, por uma decisão própria. Nunca gostou de dar entrevistas, por exemplo. Por outro lado, sua visão progressista do mundo não é compreendida e aceita por muitos argentinos. É um traço particular do país. Acho que os argentinos que não entendem Francisco não conheceram Bergoglio, nem seu trabalho nas favelas, com os pobres. Isso foi revalorizado no mundo quando ele se tornou Papa. Mas, na Argentina, não.
Texto de: Janaína Figueiredo (AG)