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O Japão, país cuja famosa culinária tem no arroz sua principal base, vive uma crise inédita de abastecimento do grão. O governo teve de abrir estoques reguladores pela primeira vez na história, e o preço do produto acumula alta de 71% em janeiro, comparado ao mesmo mês de 2024.
O Ministério da Agricultura anunciou na sexta (21) que irá colocar no mercado até março 210 mil toneladas de arroz de seu estoque de 1,1 milhão de toneladas.
A saca de 5 kg do produto plantado no Japão custa hoje, segundo a pasta, 3.688 ienes, ou R$ 142 no câmbio desta segunda (24). É o mais alto preço desde o desastre nuclear de Fukushima, que abalou cadeias produtivas em 2011. No Brasil, a mesma quantidade de arroz comum sai por valores de R$ 25 a R$ 35, dependendo da qualidade e do local de venda.
O efeito cascata já se faz sentir nas tradicionais lojas de conveniência japonesas, onde os moradores não raramente fazem suas refeições mais rápidas. Segundo o diário Yomiuri Shimbun, a inflação do onigiri, a clássica bola de arroz glutinoso envolta por alga seca chegou a 9,2% em janeiro.
Já o sushi, o mais notório representante da cozinha japonesa, viu um aumento de 4,5% nos restaurantes. A situação é agravada pela inflação de outros alimentos, particularmente vegetais importados da China devido a uma quebra de safra, e o índice geral de preços está em 4% ao ano -mais que o dobro que o usual, numa economia de baixo crescimento.
Há motivos pontuais e estruturais para atual crise. De forma mais imediata, ela foi causada pelo clima seco, que afetou a safra do verão do Hemisfério Norte no país em 2024, reduziu estoques e impactou no preço a partir de novembro.
Usualmente, os preços voltariam ao normal, mas a persistência decorre por flutuações no suprimento e na demanda. Segundo o ministério, o grande influxo de turistas nos meses anteriores ao inverno ajudou a elevar a inflação do arroz, dado o alto consumo de iguarias japonesas.
Isso levou a um movimento especulativo nas lojas, que elevaram preços ao consumidor, e entre os fazendeiros, que buscaram segurar o produto para aumentar sua margem de ganho.
Subjacente a tudo isso, segundo a analista Victoria Herczegh, da consultoria americana Geopolitical Futures, há questões de fundo do processo produtivo, a começar pela queda histórica no consumo de arroz no país com sua abertura no pós-guerra.
Em 1962, o consumo per capita do grão era de 118 kg por japonês. Em 2022, havia caído para 51 kg. Desde os anos 1970, escreve Herczegh, o governo busca restringir a produção a fim de manter o nível dos preços e o lucro dos fazendeiros.
Com isso, a área plantada com arroz caiu 20% no país. A produção anual foi de 14,3 milhões de toneladas em 1967 para 7,3 milhões em 2022, último dado disponível. Com esse contexto, a combinação de crise climática, turistas e estrutura produtiva restritiva acabou por bagunçar o suprimento agora.
Para agravar a situação, no caso do clima, apenas 15% do arroz plantado no Japão é de variedades que resistem bem a grandes amplitudes térmicas. Em Niigata, região famosa por seu grão de qualidade, caiu de 80% para 5% a produção do produto mais refinado devido ao calor extremo.
O problema tem sido visto em outros países da Ásia, região em que o arroz é a base da alimentação. No geral, as nações têm sido afetadas pelo clima extremo, a redução na disponibilidade de água para uma cultura que a usa muito, e aumento no custo de produção.
A Tailândia, segunda maior exportadora do mundo, viu uma queda de 6% na sua produção de 2023 a 2024. Buscando proteger seu mercado interno, há um ano e meio a Índia baniu a venda ao exterior de arroz que não seja do tipo basmati, o que afetou principalmente o Sudeste Asiático, onde o país domina até 40% dos mercados.
Nas Filipinas, relata a analista, houve um aumento de 30% nas importações devido à quebra da safra em 2024. A crise levou o governo a decretar emergência alimentar e a distribuir 300 mil toneladas de seus estoques reguladores do grão.
A crise tem desafiado o premiê Shigeru Ishiba, que assumiu em outubro, que lida com problemas de crescimento econômico.
“Mesmo que o consumo siga caindo, a produção e a colheita estão na cultura nacional e na vida cotidiano, e o arroz continuará sendo básico para muitos”, disse Herczegh, acerca dos riscos para novo governo. “A questão é que segurança alimentar, mesmo em economias avançadas, é o esteio de uma sociedade estável.”