Israel promoveu um mega-ataque contra posições das Forças Armadas da Síria na madrugada desta terça (10), buscando destruir arsenais que possam ser usados contra o Estado judeu caso caiam na mão de extremistas após o fim da ditadura de Bashar al-Assad.
Múltiplos relatos na mídia árabe apontaram pela manhã que tanques israelenses cruzaram a fronteira à noite e chegaram perto de Qatana, cidade a 25 km de Damasco. No começo da tarde, as forças de Israel negaram o avanço, dizendo apenas operar na zona desmilitarizada junto à Síria.
A área de 400 km² que separa desde 1974 a Síria das Colinas de Golã, anexada pelos israelenses em 1967, havia sido invadida na segunda (9).
Israel diz ser uma medida temporária para reforçar a proteção da população nas áreas fronteiriças, mas o movimento foi criticado pela Arábia Saudita, Egito e Qatar, além do arquirrival Irã e da sempre arestosa Turquia.
A missão da Síria na ONU, ainda operante, disse nesta segunda se tratar de violação de soberania. De domingo (8), quando Assad fugiu do país, até esta manhã houve cerca de 200 ataques israelenses -metade deles concentrada nesta madrugada, segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos, baseada em Londres.
Se a ação priorizou no começo centros de produção e supostos depósitos de armas químicas, que são proibidas mas empregadas por Assad na guerra civil que havia começado em 2011, o ataque desta noite mostra a disposição de Tel Aviv de incapacitar militarmente a Síria pós-ditadura.
A evidência mais vistosa disso foi o bombardeio do porto de Latakia, que concentra a pequena Marinha do país. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), ela opera 31 embarcações de pequeno porte -1 fragata e 22 navios-patrulha armados com mísseis, além de navios de apoio.
Foram atingidas também bases militares em todo o país, visando principalmente estoques de mísseis balísticos, mas também parte da força blindada que foi de Assad. A Síria lutou três guerras contra Israel, e os países se enfrentaram na guerra civil libanesa (1975-1990).
Não foram apenas israelenses a agir após a queda do ditador, que continuava uma dinastia no poder havia quase 54 anos. Os EUA, que mantêm 800 soldados no país, bombardearam no domingo posições do Estado Islâmico, grupo terrorista que é a razão de sua presença na Síria.
Nos últimos anos, Tel Aviv atacava com frequência o vizinho, buscando principalmente conexões entre o Irã, que usava Assad como um intermediário na ponte terrestre com seus aliados em torno do Estado judeu, como o Hezbollah libanês e o Hamas palestino.
Com a guerra disparada pelos terroristas da Faixa de Gaza no ano passado, o processo se intensificou, levando a retaliações diretas por parte de Teerã. Potência regional mais prejudicada pela queda de Assad, o Irã está acuado, e é incerto o destino dos 529 pontos militares ligados ao país e ao Hezbollah que lhe davam o título de maior interventor externo na Síria.
Essa conta foi feita pela ONG síria na Turquia Jusoor e se refere a julho deste ano. É bastante provável que boa parte das instalações, postos de controle em sua maioria, já tenha sido abandonada.
O mesmo se dá com os 114 pontos da Rússia, terceira maior presença no país após Teerã e Ancara, esta a vencedora estratégica até aqui por ter apoiado os radicais islâmicos da HTS (Organização para Libertação do Levante) em sua marcha a Damasco.
O foco de Moscou é proteger seus dois principais ativos após a debacle síria. Vladimir Putin interveio, ao lado dos iranianos, para salvar Assad em 2015 e, desde então, usa sua base aérea de Hmeimim e o porto de Tartus para projeção limitada de poder no Mediterrâneo e como centro logístico para operações russas na África.
Tudo indica que, enquanto espera a negociação com os rebeldes sobre o futuro das instalações, uma retirada já está sendo preparada. Monitores de tráfego aéreo e imagens de satélite indicam a chegada de aviões de transporte a Hmeimim. Segundo blogueiros militares russos, um destacamento provisório de caças MiG-31K com mísseis hipersônicos Kinjal já voou embora.
Em Tartus, apesar da dificuldade de monitoramento devido ao embaralhamento de sinais de GPS na região, observadores sugerem que parte da frota russa esteja no mar, seja esperando o desenrolar da situação, seja contando com os portos da facção que apoia na dividida Líbia para alguma evacuação.