
Depois de duas semanas de debates, 133 cardeais entrarão nesta quarta-feira na Capela Sistina para começar a eleger o novo Papa. Será o conclave mais global da História, com a presença de representantes de 71 países. O escolhido se tornará o 267º Pontífice. Assumirá o lugar de Francisco, que enfrentou resistências ao adotar forte discurso contra a desigualdade e tentar adaptar a Igreja Católica ao mundo contemporâneo.
Na última reunião antes do início do confinamento, cardeais defenderam nesta terça-feira a necessidade de avançar com as reformas lideradas pelo Papa argentino.
Citaram suas medidas contra abusos sexuais na Igreja, o saneamento das finanças do Vaticano e o esforço para interromper guerras e frear as mudanças climáticas. Os eleitores também se comprometeram a manter o Dia Mundial dos Pobres, inciativa de Francisco para engajar os católicos no combate à concentração de renda.
As falas indicaram a tendência de uma opção pela continuidade no conclave, embora não haja um claro herdeiro de Francisco. O Papa comandou a Igreja por 12 anos e nomeou 108 dos 133 cardeais aptos a votar – o que equivale a 81% do colégio eleitoral que escolherá seu sucessor.
Três cardeais italianos encabeçam as listas de favoritos dos vaticanistas: Pietro Parolin, de 70 anos; Matteo Zuppi, de 69; e Pierbattista Pizzaballa, de 60. Também costumam ser citados o francês Jean-Marc Aveline, de 66; o filipino Luis Tagle; de 67, o maltês Mario Grech, de 68; e o húngaro Peter Erdo, de 72.
Mas a experiência dos conclaves mais recentes sugere cautela com chutes e previsões. Dos últimos três Papas, dois não figuravam entre os mais cotados: João Paulo II, eleito em 1978, e Francisco, escolhido em 2013. A exceção foi Bento XVI, que assumiu o comando da Igreja em 2005 e surpreendeu ao renunciar oito anos depois.
Na reunião de hoje, os cardeais discutiram o perfil que esperam de seu novo líder. “Foi delineado o perfil de um Papa pastor, um mestre em humanidade, capaz de encarnar o rosto de uma Igreja samaritana”, informou comunicado da Santa Sé.
“Em tempos marcados por guerras, violência e forte polarização, sente-se uma forte necessidade de um guia espiritual que ofereça misericórdia, sinodalidade e esperança“, reforçou o documento.
O Colégio dos Cardeais e a Busca pela Paz
Em ato inédito desde a morte de Francisco, o Colégio dos Cardeais emitiu nota pedindo um cessar-fogo “o mais rápido possível” na Ucrânia e no Oriente Médio. O texto afirma que a Igreja constatou “com pesar” que não houve avanço nas negociações para interromper os dois conflitos e evitar ataques a civis.
A iniciativa sugere que as negociações de paz continuarão a mobilizar o Vaticano, mesmo após a morte de um Papa conhecido por pregar a resolução pacífica de conflitos.
Legado e Desafios do Próximo Papa
Embora não tenha alterado os dogmas da Igreja, Francisco se notabilizou por pregar o diálogo com outras religiões e a tolerância com as novas configurações familiares. Defendeu o acolhimento a divorciados que se casam de novo e a casais do mesmo sexo.
– Se uma pessoa é gay, procura Jesus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? – declarou em 2013, numa das frases mais célebres de seu pontificado.
O próximo Papa deve ser pressionado a se manifestar sobre essas e outras questões que enfrentam resistência na ala mais conservadora do clero, como a possibilidade de ordenar mulheres e de abolir a obrigatoriedade do celibato para os sacerdotes.
Outro desafio é estancar o declínio da Igreja no Ocidente. O número de pessoas agnósticas e sem religião tem crescido nos países ricos. Enquanto isso, o catolicismo se expande rapidamente na África e na Ásia. Francisco foi o primeiro pontífice nascido na América Latina, mas não conseguiu frear a tendência de perda de espaço para denominações evangélicas no continente.
O Papa que dizia ter sido buscado “no fim do mundo” fez uma clara opção pelo Sul Global ao reconfigurar o Colégio dos Cardeais. Os europeus, que eram 52% em 2013, perderam espaço e agora representam 39% dos votantes. Dioceses tradicionais, como Paris e Milão, ficaram sem cardeais e não participarão do processo.
A grande renovação pode aumentar a duração e a imprevisibilidade do conclave. Nos últimos dias, muitos cardeais reclamaram que não conheciam bem os colegas. Para atenuar o problema, o Vaticano determinou o uso de crachás nas reuniões preparatórias.
Mesmo aliados de Francisco consideram que ele falhou ao concentrar decisões e convocar poucos encontros de cúpula da Igreja. Seu sucessor deve ser pressionado a dividir poder e promover mais consistórios em Roma.
Ritos e Expectativas para o Conclave
Os ritos do conclave começam amanhã às 10h de Roma (5h de Brasília) com uma missa solene na Basílica de São Pedro. Depois de uma pausa para almoço e descanso, os cardeais seguirão em procissão até a Capela Sistina.
A previsão é que as portas sejam trancadas às 16h30 locais (11h30 no Brasil). O bispo Diego Ravelli pronunciará a famosa frase “Extra omnes” (Todos para fora, em latim), e os eleitores se isolarão para decidir o futuro da Igreja diante do afresco do “Juízo Final”, de Michelangelo.
A única votação do dia deve terminar por volta das 19h (14h em Brasília). O esperado é que a chaminé solte fumaça negra, indicando que o novo Pontífice ainda não foi escolhido.
Neste caso, o processo recomeçará quinta-feira cedo. São previstas quatro votações por dia até que um cardeal receba ao menos dois terços dos votos. Então a chaminé soltará fumaça branca, anunciando a 1,4 bilhão de católicos em todo o mundo que o Papa foi eleito.
O novo Pontífice escolherá o nome pelo qual será chamado. Depois de vestir a batina branca, será apresentado no balcão da Basílica, onde poderá fazer seu primeiro discurso ou apenas dar uma bênção aos fiéis.
Sete cardeais brasileiros terão direito a voto no conclave. Hoje à noite, eles rezaram diante de uma bandeira do Brasil e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida antes de seguir para o confinamento na Casa Santa Marta.
Em rápida declaração, o presidente da CNBB, cardeal Dom Jaime Spengler, evitou das pistas sobre o novo Papa:
– O perfil é aquele que o Espírito Santo nos indicar, né?
Texto de: Bernardo Mello Franco (Enviado especial)