Ninguém pode dizer que George Miller não é um diretor eclético. O australiano, que ganhou visibilidade com “Mad Max” em 1979, possui uma filmografia curiosa, passando pelas sequências do seu clássico apocalíptico, além de “O Óleo de Lorenzo”, “As Bruxas de Eastwick”, “Babe – O Porquinho Atrapalhado na Cidade” e “Happy Feet – o Pinguim”. Como podemos ver, é um condutor que transita por diferentes gêneros, com competência habitual.
É curioso que depois do espetacular “Mad Max – Estrada da Fúria”, sucesso de público e crítica em 2015 (além de abocanhar 10 Oscar), Miller tenha dirigido o simples e divertido “Era uma Vez um Gênio” (2022), que passou despercebido nos cinemas do Brasil e que consegui redescobrir no Amazon Prime Video. O filme transforma o amor em uma fábula cheia de cores, efeitos visuais e diálogos quase teatrais, apoiado basicamente no talento e carisma da dupla de atores Tilda Swinton e Idris Elba.
O embate verbal entre a especialista em narrativas (sutilezas do roteiro, claro) Alitheia e o gênio Djinn, depois que ela acidentalmente o invoca, ocorre em um quarto de hotel. Ele demonstra uma certa ansiedade em se livrar da maldição de estar preso em uma garrafa há milênios. Já a professora tem bastante desconfiança com os desejos que podem ser concedidos, já que que por experiência acadêmica e pessoal, sabe que toda ação tem uma consequência em seguida.
A partir daí, o gênio conta suas desventuras amorosas e sociais para tentar sensibilizar sua anfitriã e, aqui, entra toda a genialidade de Miller, pois ele se permite ousar nos efeitos especiais (no limite entre o tosco e o simples) e nos cenários, pensados para serem quase amadores, representando a contação fantasiosa de Djinn e sua memória milenar quase falha.
Há muitos subterfúgios exagerados em uso aqui, das roupas de guerra aos corpos expostos em demasia, quase como se o contador estivesse expondo os próprios desejos mundanos hiperbolicamente. Daí a representação de uma série de gags visuais, que podem afastar um tipo de espectador afeito ao tradicionalismo estético e narrativo.
Por outro lado, as fabulações de Alitheia soam mais críveis, por serem reais de uma mulher de meia idade que se divide entre a vida pessoal e profissional. A graça do filme está nessa alternância de microcontos entre os protagonistas, que soam meio conflituosos, mas também simbióticos. No fim, trata-se de pequenas histórias testemunhais sobre amor, solidão e esperança, sem perder o aspecto burlesco e folhetinesco.
“Era uma Vez um Gênio” passou despercebido pelo público e crítica no país, talvez pelo tema difícil, a construção narrativa subversiva ou por erro de estratégia da distribuidora para “vender” o filme. De qualquer forma, vale a pena redescobrir esse trabalho de um diretor que não se furta a criar coisas novas em termos de cinematografia. Está no Amazon Prime Video.