IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Neste 5 de março, em 1953, era anunciada ao mundo a morte de Ioseb Besarionis Djugachvíli, mais conhecido como Josef Stálin, “aquele feito de aço” em russo. Setenta anos depois, a sombra de sua influência segue presente na Rússia de Vladimir Putin e na geopolítica perseguida pelo presidente com sua guerra na Ucrânia.
Não que o líder russo seja stalinista ou queira reabilitar o ditador, que comandou a União Soviética de 1927 até seu falecimento, por um derrame tão suspeito que até uma boa comédia (“A Morte de Stálin”, 2017) já foi filmada e proibida na Rússia sobre suas circunstâncias, aos 74 anos.
Mas sua visão de uma Rússia que precisa de fronteiras seguras a lhe separar dos inimigos, de resto uma herança imperial da dinastia Románov (1613-1917) que os soviéticos abraçaram, deve muito à brutalidade de meios que caracterizou Stálin –que nem russo era, e sim georgiano.
Com efeito, Putin tornou sagrado o calendário público associado à vitória do ditador contra seu par nazista Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, que para os russos se chama Grande Guerra Patriótica e começou com a invasão alemã de 1941. Antes, Stálin e Hitler eram aliados e partilharam parte da Europa, uma verdade que incomoda o Kremlin.
Há consequências da promoção intensiva do nacionalismo militarista. O instituto independente de opinião pública Levada fez sua mais recente pesquisa sobre Stálin em 2021, e o resultado foi notável: consideravam o ditador um “grande líder” 56% dos ouvidos. Em 2016, eram 28%, ante 29% aferidos em 1992, ano seguinte ao fim do império comunista.
Apenas 14% discordavam da avaliação, com outras porcentagens em categorias intermediárias de opinião. Mais: 45% viam Stálin com respeito, ante 28% indiferentes e 10%, simpáticos a ele.
Na esquerda brasileira, o ditador historicamente é menos influente do que Leon Trótski, seu rival derrotado (e devidamente assassinado) na disputa pelo vácuo de poder após a morte do fundador da União Soviética, Vladimir Lênin, em 1924. Ainda assim, em 2020 ele protagonizou uma vazia polêmica sobre a suposta simpatia do cantor Caetano Veloso pelos feitos de Stálin.
Afinal, como toda figura complexa, um dos maiores homicidas da história (de 10 milhões a 20 milhões de vítimas, a depender da conta) também foi responsável por criar um império que se mostrou insustentável de forma entrópica, mas que fez de um país feudal uma potência atômica e espacial.
Mas a ligação de Stálin com a Rússia de 2023 não é apenas afetiva, por assim dizer. Em uma dessas sincronicidades da história, a Ucrânia segue no centro da interação internacional do Kremlin –não exatamente de forma luminosa.
O ditador presidiu uma das maiores tragédias humanitárias conhecidas, a Grande Fome de 1932-33 na Ucrânia. A causa central foi a política de coletivização da agricultura e a necessidade de Stálin de montar suas Forças Armadas com equipamento europeu –grãos ucranianos eram a forma de pagamento.
Talvez 4 milhões de pessoas tenham perecido, restando saber se por inépcia ou desígnio. Aqui, a polarização extrapola a historiografia e percorre décadas para desaguar na guerra atual, vista por políticos ucranianos como uma mera continuação de uma suposta intenção genocida do Kremlin ante o país.
Isso é questionável, óbvio, mas é também fato que Putin escreveu longo artigo no ano passado defendendo basicamente que russos e ucranianos são um só povo, e disse reiteradamente que o Estado da Ucrânia foi uma invenção dos bolcheviques de Lênin.
Seja qual for a verdade, na prática a brutalidade de Stálin no trato com os ucranianos, que de resto reflete o comunismo ideologicamente pela colocação dos fins acima dos meios, pode ser vista no emprego de força inaudito na Europa desde a Segunda Guerra.
Com efeito, a imagem do ditador na terra de Volodimir Zelenski é diversa da aferida na Rússia. Segundo o Instituto Internacional de Sociologia de Kiev pesquisou em 2021 também, apenas 16% dos ucranianos viam Stálin como um grande líder; 40% afirmavam o contrário. Já em questão de sentimentos, raiva (17%), nojo (16%) e medo (6%) superavam o respeito (14%) e a simpatia (2%) prevalentes na Rússia.
Por fim, há uma similaridade adicional: ambos, Putin e Stálin, seguiram à risca o conselho do premiê tsarista Piotr Stolipin (1862-1911) de que apenas a mão de ferro angaria respeito popular e comando político na Rússia.
Com tudo isso, o legado de Djugachvíli, mesmo após os anos de apagamento do culto à sua personalidade, segue permeando a forma com que o sucessor legal da União Soviética se relaciona com o resto do mundo.