Para quem cresceu entre as décadas de 1970 e 1980, a imagem de um calçado preto, com solado de borracha repleto de cravos, é quase um portal para a infância. Feito para correr, chutar, ir para a escola e, acima de tudo, resistir, ele era o Kichute — uma verdadeira lenda nos pés brasileiros.
Lançado em 1970 pela Alpargatas (ALPA4), empresa tradicional fundada por imigrantes escoceses em 1907 e criadora das Havaianas, o Kichute se tornou um ícone nacional, embora com uma vida útil mais curta.
O Kichute nasceu da união entre praticidade e a paixão brasileira pelo futebol. Era uma mistura inteligente de calçado esportivo e chuteira, construído com lona robusta e um solado de borracha inovador com cravos.
Enquanto a Alpargatas expandia sua linha esportiva, o Kichute rapidamente se firmou como o tênis dos recreios escolares, das peladas de fim de tarde e dos joelhos ralados. Anos depois, em 1978, a empresa lançaria a marca Topper e adquiriria a Rainha.
No auge de sua popularidade, o Kichute alcançou um pico impressionante de 9 milhões de pares vendidos por ano, o equivalente a quase 10% da população brasileira em meados dos anos 1970. O sucesso foi tamanho que a Alpargatas, com seu foco em calçados e vestuário, chegou até a produzir bolas de futebol.
O fenômeno do Kichute foi impulsionado por campanhas de marketing marcantes, que incluíam o craque Zico como garoto-propaganda, solidificando ainda mais sua imagem.
Mais acessível que as chuteiras tradicionais e os tênis importados, o Kichute se tornou uma solução econômica para inúmeras famílias brasileiras — e um símbolo da resistência criativa de um país em plena ditadura militar. Não por acaso, nos anos 1990, o tênis foi até mesmo adotado como parte do uniforme oficial dos garis da cidade de São Paulo, evidenciando sua durabilidade e praticidade.
Contudo, o reinado do Kichute começou a diminuir com a abertura econômica do Brasil e a consequente invasão de marcas internacionais. Em 1996, a Alpargatas decidiu descontinuar sua produção para concentrar esforços em marcas de maior projeção, como Havaianas e Topper. Tentativas de relançamento, como a realizada pela Vulcabras em 2005, apostaram na nostalgia para tentar reconquistar corações — e pés — brasileiros.