Os felinos reforçaram a soberania na internet com o game “Stray”. O jogador encarna um gato vira-lata (“stray cat”, em inglês) para fazer fazer gatices como arranhar tapetes, derrubar objetos de beiradas, miar, dormir, caminhar por teclados de computadadsdfgfsghfdsadgsasdf. O personagem foi aprovado por quem entende do assunto. Desde o lançamento, os jogadores postam nas redes sociais seus próprios bichanos hipnotizados por “Stray”.
A movimentação e os efeitos sonoros aproximam o virtual do real. A diferença crucial é o ser inteligente no comando do bicho, o jogador. Colocando o garbo gráfico à parte, trata-se do herói típico, o resolvedor de problemas do mundo. O jogador também vira um pouco gato. Quanto mais a narrativa avança, mais é compreensível a vontade de afiar as unhas pelos sofás. Inútil para o desenrolar da trama, mas ainda assim prazeroso. Pai de pet, perdoai, pois eles sabem o que fazem.
As atividades gatunas não se baseiam nas típicas recompensas de videogame, como ganho de poder ou adereços. A motivação está em assistir a uma interação sob um ângulo único. A curiosidade não mata o gato.
O passeio pelo reino animalia nos games foi realçado há três anos com “Untitled Goose Game”, com um ganso no centro das atenções. O jogo do ganso, no entanto, mira o humor, com a ave avacalhando um bucólico vilarejo representado por cores planas, ao som do piano de Claude Debussy. As estripulias do felino de “Stray” só trazem consequências quando previstas no roteiro. O foco do game está em contrastar a graciosidade felina com um mundo robótico e quebrado.
Ambientando em uma distopia, o protagonista é separado de seu bando ao cair em uma cidade isolada habitada apenas por robôs. Na busca pelo retorno, o gato se alia a B-12, um drone desmemoriado capaz de traduzir a fala de outros robôs. É esse amigo quem dá uma mochila ao bicho, gerando uma das cenas mais marcantes de “Stray”. Os gestos do animal desconfortável com o novo acessório são palpáveis.
O gato de rua terá de percorrer essa cidade sem sol, iluminada por néon, cheia de lixo e apetrechos tecnológicos -um gigantesco quarto de streamer da Twitch. É a cartilha do cyberpunk, subgênero da ficção científica com alta tecnologia e baixa qualidade de vida. Mesmo estilo do livro “Neuromancer”, do filme “Blade Runner” e inúmeros games -“Unsighted”, “Final Fantasy 7” e “Cyberpunk 2077”, para citar alguns.
O viés cyberpunk de “Stray” é inspirado na cidade murada de Kowloon, densa e caótica favela vertical de Hong Kong demolida nos anos 1990. Antes de batizar o game de “Stray”, o pequeno estúdio francês BlueTwelve chamou o projeto de “HK”, as inicias do território chinês.
“Stray” é uma aula de ambientação, com cenários detalhados e misteriosos. A direção de arte tira proveito dos elementos do enredo para compor os cenários, extrai beleza estética da degradação material. A iluminação colorida se faz presente, porém as cenas têm paletas definidas, garantindo personalidade à fotografia.
Além da plasticidade, “Stray” apresenta uma perspectiva original. O título segue o esquema conhecido dos jogos em terceira pessoa. A câmera é livre, com tendência a ficar nas costas do personagem do jogador.
Contudo, miau, a relação com a arquitetura muda radicalmente em “Stray”. Se em “GTA”, “Uncharted” ou qualquer outro jogo com ser humano, uma escada encostada na parede abre a possibilidade de subir e descer, para um gato não necessariamente. Mais conveniente é usar a agilidade para saltar entre canos, telhados, beirais e ares-condicionados. Maçanetas são barreiras, frestas e canaletas não. Pular, verbo essencial do videogame, é peculiar em “Stray”. Em vez da movimentação livre típica de jogos de plataforma 3D como “Super Mario Odyssey” e “Banjo-Kazooie”, a ação se dá de maneira contextual, no estilo de “Persona 5”.
Ou seja, ao apontar para um local ao alcance da agilidade do personagem, basta pressionar o botão correspondente que ele chega, sem erro -os bichanos reais de vez em quando se estrebucham, mas deixa para lá.
O desafio ocorre principalmente pela busca por itens, em uma dinâmica que remete aos adventures populares nos anos 1990. Há trechos de mais ação, com cenas de perseguição e furtividade. “Stray” é fácil -o gato tem muito mais do que sete vidas- e linear. Os momentos agitados se intercalam com distensões.
Com as indicações do que é necessário fazer para avançar por cenários densos, a exploração fica confusa em alguns pontos, não há relaxamento. As dicas do drone companheiro são, por regra, inúteis, mais irritam do que ajudam. “Stray” pode nem sempre cair de pé, mas corresponde às altas expectativas. O jogo do gatinho virou um dos mais desejados da loja Steam, desbancando até a superprodução “Starfield”, que promete mais de mil planetas para o jogador percorrer. Em nenhum deles haverádsdfgfsghfdsadgsasdf.