MAYARA PAIXÃO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A tarefa de cravar dia e hora é impossível, mas as estimativas permitem prever que até a metade de 2023 a Índia se tornará o país mais populoso do mundo, assumindo o posto que pertencia à China desde ao menos 1950, quando surgiram registros sobre o assunto.
O país hoje governado por Narendra Modi e considerado a quinta maior economia global após desbancar o Reino Unido no último ano tem mais de 1,4 bilhão de habitantes e supera a China por cerca de 3 milhões, mostram as projeções da ONU.
Os dados da organização permitem ainda sugerir que o salto da Índia para o topo do ranking populacional ocorre neste mês de abril, mas as estimativas sempre estão sujeitas a uma margem de erro, de modo que isso pode ocorrer daqui a alguns meses. Ou mesmo já ter ocorrido.
A nova era indiana, há muito anunciada, abre um leque de desafios para o país asiático que é a principal economia emergente do mundo. E traz perguntas a parceiros internacionais, entre eles o Brasil, sobre como aproveitar o “boom” do mercado de consumo indiano.
A Índia tem relevância para o comércio exterior brasileiro. Em 2022, foi o décimo principal destino de exportações brasileiras, somando um valor de US$ 6,3 bilhões (R$ 31,8 bi), e o quinto maior importador, com US$ 8,8 bilhões (R$ 44,4 bi) comprados em produtos brasileiros.
Mas à medida que vê sua população crescer –o que deve ocorrer por mais 40 anos–, a Índia terá de responder ao dilema de fornecer bem-estar a uma população que equivale a mais de seis vezes a do Brasil e inserir no mercado de trabalho a nova mão de obra.
A nação, afinal, tem uma população majoritariamente jovem: 55% dos indianos têm de 15 a 49 anos. Mas o mercado doméstico não tem sido capaz de absorver os mais jovens. Entre 2021 e 2022, apenas 10,4% das pessoas entre 15 e 24 anos estavam empregadas, mostram dados do think tank Centro para o Monitoramento da Economia Indiana.
“São 20 milhões de pessoas entrando no mercado de trabalho por ano”, diz o demógrafo José Eustáquio Alves. “Se essa onda de jovens for bem aproveitada, há um bônus demográfico. Caso não seja, há uma bolha de jovens que podem se revoltar por estarem sem oportunidades.”
Eustáquio, um dos principais demógrafos brasileiros, chama especial atenção para a baixa absorção de mulheres no mercado. Números do governo indiano mostram que somente 25,1% das mulheres em idade ativa estavam absorvidas como força de trabalho entre 2020 e 2021.
Há também o desafio de fornecer educação a esse enorme contingente, afirma Lía Rodriguez de la Vega, vice-diretora do Comitê de Assuntos Asiáticos do Conselho Argentino para as Relações Internacionais. “Se o país não cumprir seus compromissos com o bônus demográfico, a promessa de gerar um cenário competitivo para o desenvolvimento futuro pode ruir.”
Para a especialista argentina, “a Índia é um sócio que todos querem ter”. E argumentos não faltam. Ainda que seja um dos protagonistas da onda de autocratização global –o governo do premiê Narendra Modi é considerado por alguns dos principais institutos de pesquisa como pouco democrático–, o país tem surpreendido na seara econômica.
Projeções do Banco Mundial e do FMI apontam que a Índia é a economia que mais cresce no mundo, com projeção de crescimento de 7% neste ano. Apesar da crise econômica global intensificada pela Guerra da Ucrânia e pela alta no preço das commodities, o país se manteve relativamente estável em grande medida devido à demanda doméstica, com o aumento de um consumo interno pujante.
Os exemplos do apetite das empresas com o país crescem. Nesta semana, a Apple abriu suas duas primeiras lojas na Índia. Segundo o provedor de pesquisas Counterpoint, a empresa representa cerca de 6% do mercado local de smartphones –algo em torno de 9,1 milhões de unidades segundo as cifras de 2022 (ou 0,6% da população local). O objetivo é aumentar esses números.
E há, claro, o peso na política externa. Como o Brasil, a Índia é membro do Brics. Ao lado das principais economias globais, integra também o G20 –fórum que, aliás, está presidindo hoje de forma rotativa. O país é parte ainda do Quad (chamado pela China de “mini-Otan do Pacífico”) e da centro-asiática Organização de Cooperação de Xangai –fórum que também irá presidir a partir de setembro.
Para se desenvolver de maneira sustentável, o país também terá de colocar na balança o peso da emergência climática. A Índia, afinal, é um dos maiores poluidores globais, sendo responsável por 7% das emissões de carbono –mesma porcentagem que a dos 27 países da União Europeia juntos.
A conta já vem sendo cobrada: as ondas de calor no país são cada vez mais frequentes, intensas e letais, o que sobrecarrega o sistema de saúde, enfraquece a agricultura e, assim, atrasa o desenvolvimento.
E, enquanto lida com os desafios imediatos, Nova Déli também precisa projetar aqueles que são futuros. Daqui a quatro décadas, a Índia enfrentará processo semelhante ao que a China vive hoje: o decréscimo e o envelhecimento populacional.
No caso chinês, a taxa de fecundidade do país –número de filhos por mulher– está hoje em torno de 1,2, quando a média para que haja crescimento é de 2,1. Em partes, o cenário resulta de anos de medidas estatais do regime comunista como a política de filho único. Já no caso indiano, a taxa de fecundidade ainda está em torno de 2.
Pesquisa divulgada nesta quarta-feira (19) pelo Fundo de Populações da ONU mostrou que os indianos, quando comparados a cidadãos de outros seis países, entre eles o Brasil, são os mais preocupados com o tamanho da população e as consequências que isso pode ter. Para 60% dos mil entrevistados indianos, é justamente a economia o setor que mais gera temor no futuro.