Acho que já escrevi por aqui que não gosto muito de cinebiografias, por terem uma fórmula relativamente comum de contar as histórias. Geralmente são narrativas de superação, formulaicas, com muitas frases de efeitos e momentos fortuitos de genialidades em meio aos obstáculos da vida, sem nenhum tipo de profundidade.
Mas existem aqueles que fogem desse “padrão”, seja pela criatividade dos seus criadores ou pela força histórica do personagem retratado. É o caso de “Homem com H” (2025), que passou voando pelos cinemas e acabou indo parar na Netflix rapidamente, algo inexplicável, já que é um filme que teria um bom destaque na sala grande com mais tempo, imagino eu, devido ao sucesso que está fazendo na plataforma.
A obra que conta a história de vida do cantor Ney Matogrosso ainda guarda alguns cacoetes típicos das cinebiografias, como a transformação quase instantânea do cantor naquela figura andrógina e transgressora do Secos e Molhados (que tem pouco espaço na narrativa, diga-se) criada pelo músico durante a ditadura, além de personagens que entram em saem sem motivo ou explicação da história entre seus atos. Mas por outro lado, dedica um bom tempo à formação do caráter dele, em meio aos enfrentamentos do pai (um militar conservador), à sociedade preconceituosa e até ao ambiente excessivamente mercenário da indústria musical da época.
O diretor Esmir Filho sabe a força do cantor e o poder da música que tem em mãos e não tenta florear demais a persona nos palcos, preferindo alternar os momentos musicais com fatos da vida de Ney, com muita sensualidade, corpos em destaques e cores quentes. Outro trunfo está na figura de Jesuíta Barbosa, que não apenas incorpora trejeitos do artista, mas também exibe um talento musical nato, além dos olhos grandes e expressivos, realçados com planos fechados do diretor. Infelizmente, sua atuação fenomenal ofusca outros atores, principalmente no núcleo familiar, prejudicado na montagem final.
Mesmo assim, é um prazer acompanhar as cenas musicais, o trabalho quase espiritual de Barbosa e algumas fases importantes, como da sua relação com Cazuza, em paralelo às transformações que o Brasil passou depois dos traumas da ditadura, intrinsecamente ligadas às mudanças físicas e às músicas interpretadas por Matogrosso. Está na Netflix. Assistam e prestigiem o cinema nacional.
Confira o trailer de Homem com H: