À primeira vista, “Harry e Sally: feitos um para o outro” é apenas mais uma comédia romântica clássica, que começa com “Era uma vez…” e termina com “Felizes para sempre”. Mas não se deixe enganar. O filme dirigido por Rob Reiner e escrito por Nora Ephron, é bem diferente de tudo que vemos por aí e mantém seu frescor e originalidade mesmo tendo passado mais de trinta anos do seu lançamento. E o motivo é, na verdade, bem simples: “Harry e Sally” está muito mais próximo dos dilemas e conflitos que os casais enfrentam na vida real – e que nem sempre saem vencedores – do que dos contos de fadas e/ou soluções fáceis e mágicas apresentadas pela maioria das comédias românticas.
O título original já dá uma pista da amplitude do que veremos na tela. “Quando Harry encontrou Sally…”. Nada do amor instantâneo e perfeito sugerido pela tradução açucarada para o Brasil. Ele sequer fazia o tipo dela, para começo de conversa. Uma simples carona, uma conversa, uma desavença por pontos de vista opostos. E não, também não se trata do famoso clichê “primeiro se odeiam para depois se amarem”. É simplesmente indiferente. São duas pessoas vivendo suas vidas, com sonhos, ideais, sabendo onde querem chegar. Um não cabia na vida do outro… Naquele momento. Repare nas reticências do título. Elas dizem muita coisa.
O tempo passa. Anos e anos. Um novo esbarrão aqui e ali, novas impressões, boas e ruins. O interessante é percebermos o crescimento pessoal dos personagens. A bagagem que cada um carrega dos relacionamentos passados, as perdas, os amigos que fizeram pelo caminho, inclusive a amizade forjada entre eles, como lidaram com suas qualidade e defeitos nesse período. Sim, porque o pé na realidade tem esse lado. As pessoas são difíceis de lidar e o filme não esconde sua face “sombria”. Até por causa disso é de se louvar o trabalho de Billy Crystal e Meg Ryan. Eles estão totalmente encantadores como os protagonistas, mesmo quando têm suas fragilidades e neuroses expostas.
Colabora para que o filme funcione também o timing do humor. Afinal, embora repleto de peculiaridades, ainda é uma comédia romântica. E cada palavra está em seu devido lugar, tornando-se um filme de diálogos memoráveis. “Você fez uma mulher miar?”, pergunta, incrédulo, Jess, amigo de Harry. Ou ainda: “Eu quero o que ela pediu”, diz uma mulher no restaurante ao ver o “orgasmo” de Sally, em uma das cenas mais icônicas da película. São diálogos feitos para funcionar na tela, mas que também ouvimos no dia a dia, como uma discussão do casal de amigos, que vai morar juntos, sobre uma mesa de centro ser de bom gosto ou não. Spoiler: a mulher sempre tem razão nessas brigas (mas não deixe de lutar pelas suas bugigangas, companheiro).
Harry e Sally não foram feitos um para o outro, não, senhor. Passaram bem longe dessa obviedade. O que não quer dizer que não seja um filme profundamente romântico. E bem mais verdadeiro, refletindo medos, corações partidos, remendados e esperançosos. Eles construíram juntos uma bela amizade na base de muita conversa e entendimento do espaço, respeitando a individualidade, as necessidades e a personalidade do outro, sempre atentos aos detalhes, seja o jeito que ela faz um pedido no restaurante ou o fato de ele sempre ler a última página do livro. Reconhecem seus pontos positivos e, principalmente, os negativos. Mas confiam um no outro. E de tanto se desencontrarem por aí, acabam se encontrando.
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