DIA DOS PAIS

Filhos de ícones paraenses contam como é dividir o pai com o mundo

No Dia dos Pais, Demy Ielse, Douglas Gonçalves e Joanna Martins lembram histórias e afetos ao lado de Wanderley Andrade, Pinduca e Paulo Martins.

Wanderley Andrade e Demy Ielse. Foto: Divulgação
Wanderley Andrade e Demy Ielse. Foto: Divulgação

O Dia dos Pais, que será celebrado neste domingo, traz à tona lembranças que cabem no colo, mas também nos palcos, nas cozinhas e nas histórias que ganharam o mundo. Para Demy Ielse, Douglas Gonçalves e Joanna Martins, crescer ao lado de pais que marcaram a cultura paraense — o cantor Wanderley Andrade, o “Rei do Carimbó” Pinduca e o chef Paulo Martins — significou aprender, desde cedo, a dividir o afeto com uma legião de fãs e admiradores. Entre camarins, ensaios, receitas e viagens, eles vivem e viveram o privilégio e o desafio de ter como pai um ícone, guardando para si a versão mais íntima, longe dos holofotes, de homens que também são heróis dentro de casa.

Orgulho do pai e da própria trajetória

Filha do para sempre “Traficante do Amor”, por conta do famoso brega que canta até hoje, a influencer Demy afirma que o ícone da música paraense existia porta para fora. “Para mim, ele sempre foi ‘meu pai José’, sabe? E não o ‘Wanderley Andrade’. O seu José é aquele que estava em casa, fazendo piada, cozinhando, cuidando da gente”, lembra.

Os bastidores dos shows fazem parte de suas memórias mais vívidas. “Lembro de estar no camarim e ouvir a galera cantando alto do lado de fora, sem ele nem precisar abrir a boca”, diz, rindo ao relembrar. “A ficha de que ele era famoso mesmo só caiu depois de um tempo… Quando comecei a ver o quanto as pessoas reagiam a ele, pediam fotos, choravam. Aí percebi: ‘e não é que o ‘véio’ é famoso mesmo?’”, diverte-se.

Crescer cercada por arte, palco e som alto moldou não apenas seus gostos, mas também sua forma de se expressar. “Moldou até meu olhar para o que quero fazer na vida”, afirma. Ainda assim, nunca se sentiu obrigada a seguir exatamente os passos do pai. “Já pensei sim, mas nunca me forcei a isso. Se for para ser, que seja natural. Gosto de arte, mas do meu jeito”, ressalta ela, que além de influenciadora, envereda para o lado do humor e já tem mais de 55 mil seguidores somente no Instagram.

Entre o vasto repertório de Wanderley, algumas músicas têm lugar especial no coração da filhota. “Gosto de ‘Admirador’, é uma música intensa, apaixonada. E tem outra que não é dele, mas eu adoro a versão do papai, chama ‘Longe de você’. Principalmente o começo da música, me pega muito. Traz uma ‘vibe’ de interior, de nostalgia. Sempre que escuto, me transporta para um lugar de calma e de lembranças boas”, revela.

O sobrenome famoso, segundo Demy, abre portas, mas também impõe expectativas. “Tem gente que acha que eu tenho que ser uma cópia dele, e não é assim”, comenta. Para equilibrar sua identidade com a de filha do Wanderley Andrade, ela aprendeu a separar as coisas. “Tenho muito orgulho dele, mas sei quem eu sou, e busco o meu caminho”, diz.

Se no palco o cantor é conhecido pelo carisma e energia, em casa ele é outro homem. “Ele é super carinhoso e tranquilo. Muito diferente do show que todo mundo vê no palco, aquele jeito ‘malucão’ dele, u know?”, brinca. Entre os muitos conselhos que recebeu, um se destaca. “Ele sempre me fala uma frase: ‘Quem não tem fé, não tem chão’. É uma frase autoexplicativa, que carrego comigo”, afirma.

Se pudesse escolher um projeto para fazer junto ao pai, Demy optaria por algo que unisse arte e memória. “Um projeto visual, talvez um documentário da vida dele, com minha visão. Algo marcante, de pai e filha mesmo”, projeta. No momento, ela está concentrada em construir seu próprio caminho, mas sem descartar a possibilidade de usar, com respeito, o legado familiar. “Quero construir meu caminho, mas claro que penso em usar esse legado com respeito. Não como atalho, mas como ponte”, conclui.

Música, disciplina e amor

Ser filho de um ícone da música paraense e brasileira não é apenas um título de família para Douglas Gonçalves — é um sentimento que se mistura com orgulho, gratidão e memórias desde a infância. Músico, produtor e diretor musical, ele não apenas segue os passos do pai, Pinduca, mas é seu diretor musical, acompanhando de perto uma trajetória marcada por luta, esforço e inovação.

“Ser filho do Pinduca é um orgulho muito grande”, garante, com a segurança de quem viu de perto a construção de uma carreira que ajudou a colocar o carimbó no mapa da música nacional. “Não foi fácil a trajetória musical dele chegar até onde chegou, com muita luta, muito esforço, fazendo uma música diferenciada na época”, reconhece.

Douglas lembra que esse orgulho vem desde muito cedo. “Eu tinha apenas oito anos quando meu pai lançou o primeiro LP, ainda em vinil. Eu acompanhava os ensaios, pegava o violão para arranhar umas coisinhas de leve”, recorda. Foi nesse ambiente que ele absorveu não apenas a paixão pela música, mas também o exemplo de persistência que moldaria sua própria carreira.

Entre o vasto repertório do “Rei do Carimbó”, uma canção ocupa lugar especial no coração de Douglas. “A Marcha do Vestibular, parceria com Aluap de Lacran, é muito marcante. Quando a gente entra no palco, faz a introdução e começa a música, arrepia. É pura energia, muito forte mesmo”, justifica, apesar de saber que várias outras músicas do repertório do pai também são muito importantes e emocionam o público.

O dia a dia de Pinduca, hoje com 88 anos, é tão intenso quanto nos tempos de juventude. “Meu pai foi da Polícia Militar do Estado do Pará por muitos anos, e parece que ainda está na ativa”, conta Douglas. “Ele sai todo dia de manhã, por volta das 8h, e retorna meio-dia. Depois do almoço, dá aquela descansada e à tarde a gente resolve tudo sobre música: shows, gravações, comerciais. Ele não para, é muito dinâmico e ativo”, conta, sem esconder o orgulho.

A vida ao lado de um artista tão presente no imaginário cultural paraense rende memórias inesquecíveis. Douglas destaca duas em especial “Uma foi quando ele participou do show do Alok, recentemente. Foi emocionante ver tanta gente cantando as músicas dele, numa mistura de jovens e adultos. A outra foi há muitos anos, quando fizemos um show no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Eu tinha só 18 anos. Foi marcante demais”, recorda.

Mas não é só a música que deixou heranças. Pinduca também transmitiu aos filhos valores sólidos. “Ele nos ensinou disciplina. Tem horário pra tudo e sempre reforçou o respeito aos mais velhos, a importância de honrar pai e mãe. Tomar bênção, essas coisas de família que hoje já não se vê tanto, mas que na nossa casa sempre foram regra”, destaca.

No Dia dos Pais, a mensagem de Douglas ao patriarca é clara. “Desejo muita saúde, alegria e juventude. Mesmo quando ele precisa parar para recuperar o fôlego, porque não para nunca, quero que saiba que nós o amamos muito. Temos orgulho de ainda termos nossos pais vivos e com saúde”, declara-se.

E, como não poderia faltar, a música e a família se encontram também nos momentos de lazer. “Sempre que pode, no domingo, a gente faz um churrasco lá em casa. Reúne amigos próximos, rola resenha, muita música e, às vezes, até um som ao vivo. Eu toco teclado, então ligo o instrumento e a gente fica cantando, se divertindo. É muito bom”, revela.

Orgulho atemporal

Para Joanna Martins, ser filha de Paulo Martins é, antes de tudo, uma honra profunda e uma responsabilidade que transcende a cozinha. Ela revela que o legado do pai vai muito além dos pratos e sabores, envolvendo a valorização cultural e o desenvolvimento econômico da região amazônica.

“É uma grande honra ser filha do Paulo Martins, poder continuar essa história”, declara, ressaltando que sente orgulho por não partir do zero, mas sim por seguir um caminho construído por seu pai e sua avó. Ela explica que, embora não atue diretamente na cozinha, escolheu um caminho ligado à promoção da culinária amazônica – além de pesquisadora em cultura alimentar, Joanna é sócia-fundadora de uma empresa dedicada a divulgar os sabores amazônicos, além de ser diretora em um instituto que leva o nome do pai.

Ela detalha como o pai atuava na difusão do conhecimento por meio do Instituto Paulo Martins, que trabalha com educação e técnicas culinárias, e ainda na articulação institucional para que o estado reconheça o poder da gastronomia amazônica. “Muito além da cozinha, acho que a cozinha talvez seja a forma mais palpável, mas tem muita coisa por trás do trabalho que ele fez e que a gente continua fazendo”, pondera.

Admite que foi só depois de se mudar para São Paulo, onde fez faculdade, que começou a dimensionar a importância do trabalho de seu pai. “Percebi que o que a gente tinha aqui na Amazônia era muito diferente do que tinha no resto do Brasil”, conta, emocionada. Ela destaca que a revolução promovida por Paulo Martins só ficou clara depois que ele viajou à Espanha para levar ingredientes amazônicos ao lado da chef Alexia – e ainda mais quando o espanhol Ferran Adrià, então maior chef do mundo, veio visitar Paulo em Belém.

“Depois que ele faleceu, as pessoas começaram a reconhecer a importância dele para a construção de uma nova gastronomia brasileira”, afirma. “Ele atuou muito na Amazônia, mas contribuiu para que o Brasil começasse a se reconhecer na sua própria cozinha.” Ela ressalta ainda o papel de Paulo Martins na formação de muitos cozinheiros que hoje são referências nacionais.

Um episódio que marcou Joanna profundamente aconteceu durante um projeto do Instituto Paulo Martins em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, quando colaboraram com um livro de receitas com frutas brasileiras. “Numa reunião, uma professora de gastronomia do Ceará me recebeu com tanta admiração, dizendo: ‘Nossa, você é a Joanna, que honra. Seu pai é muito importante para a gastronomia brasileira, a gente estuda ele na escola.’ Foi ali que a ficha caiu para mim, de fato, que ele era uma referência para estudiosos”, conta.

Além das lembranças profissionais, Joanna compartilha recordações afetivas da relação com o pai, como o prazer de ser cobaia das suas invenções culinárias e a forma como ele criava pratos com o que encontrava na geladeira de casa. “Ele cozinhava pouco em casa, mas quando chegava, abria a geladeira e inventava coisas a partir do que tinha ali. Isso me marcou muito”, relembra.

Ao mesmo tempo, também lembra com carinho do lado brincalhão e implicante do pai, que gostava de tirar os filhos da zona de conforto para incentivá-los a crescer. “Ele era muito brincalhão, mas essa implicância era uma forma de ensinar, de desafiar”, explica.

Entre os muitos ensinamentos que Paulo Martins deixou, Joanna destaca a humildade. “Apesar de tudo que ele conquistou, nunca se tornou prepotente. Ele sabia que fazia algo importante, mas sempre respeitou a todos. Nos ensinou que não basta querer, é preciso agir. Muitas vezes enfrentamos críticas e dificuldades, mas quando acreditamos no potencial do que queremos, vale a pena todo esforço”, reflete. “É um ensinamento que tento passar para o meu filho, para a minha equipe, para as pessoas com quem trabalho”, complementa.

Joanna também relaciona algumas criações do pai a memórias especiais e afetivas. “Um prato que me leva a ele é o Muçuã de Botequim e a Pupunha com Roquefort. São emblemáticos para mim”, destaca, emocionada. “Mesmo após 15 anos da partida de Paulo Martins, do meu pai, ainda sinto uma profunda conexão e gratidão, ainda não consigo falar dele sem me emocionar. É sempre um prazer poder falar um pouco mais sobre ele”, finaliza Joanna Martins.