COP

Países amazônicos condenarão medidas protecionistas

O governo Bolsonaro ficou marcado por discursos do próprio presidente e de membros do seu governo que relativizaram a importância da fiscalização contra crimes ambientais e a gravidade da destruição da floresta. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará.
O governo Bolsonaro ficou marcado por discursos do próprio presidente e de membros do seu governo que relativizaram a importância da fiscalização contra crimes ambientais e a gravidade da destruição da floresta. Foto: Octavio Cardoso / Diário do Pará.

ANA CAROLINA AMARAL

BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Em negociação às vésperas da Cúpula da Amazônia, que acontece em Belém nos próximos dias 8 e 9, os oito países do bioma amazônico devem se comprometer com a conservação da floresta, ao mesmo tempo em que buscam alavancar a legitimidade política da exploração de minérios e combustíveis fósseis.

A Folha teve acesso ao rascunho da Declaração de Belém, que os chefes de Estado dos países-membros da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) assinarão nesta semana.

Em um recado à União Europeia, o documento deve “condenar a proliferação de medidas comerciais unilaterais que, baseadas em requisitos e normas ambientais, se traduzem em barreiras comerciais e afetam principalmente aos pequenos produtores dos países em desenvolvimento”.

O entendimento entre os países amazônicos dá contornos claros para um posicionamento em bloco em negociações globais, principalmente nas COPs do Clima da ONU. Um dos objetivos da declaração prevê que os países da OTCA possam coordenar seus posicionamentos em agendas internacionais, sinalizando a formação de um bloco de negociação.

Entre os pontos que devem ser levados à COP28 do Clima, a Declaração faz uma cobrança aos países desenvolvidos para que cumpram a promessa de destinação de US$ 100 bilhões anuais para a agenda climática de países em desenvolvimento.

Mencionado quatro vezes ao longo do texto, destaca-se o objetivo de evitar o ponto de não-retorno da Amazônia, ou seja, limitar o desmate em até cerca de 20% do bioma, impedindo um processo irreversível de desertificação que levaria à perda das característica da floresta tropical.

O termo “desmate zero”, defendido pelo Brasil e pela Colômbia, entrou no texto como um exemplo de meta nacional a ser apoiada pela cooperação regional, deixando aberta a possibilidade de apoiarem também metas nacionais menos ambiciosas, o que acomoda pedidos de outros países da região com legislações mais brandas.

Embora não cite o Acordo de Escazú de democracia ambiental, o documento faz diversas menções à proteção dos direitos dos defensores ambientais, uma das principais inovações do acordo regional, assinado em 2018 por países da América Latina e Caribe.

O documento também reconhece os direitos indígenas e seus territórios, mencionando o compromisso de consultá-los antes de decidir sobre projetos que lhes afetem, em concordância com a previsão da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O documento ainda acena às questões de gênero, em diferentes parágrafos, prevendo a criação de redes de lideranças femininas da região e o combate à misoginia.

Embora reconheça no preâmbulo os princípios do Acordo de Paris, o documento não menciona a contenção do aquecimento global em até 1,5ºC ou até 2ºC, como dispõe o acordo climático. Como a Folha havia antecipado, o documento também não menciona o termo “combustíveis fósseis”, principal causador do aquecimento global.

Na única condicionante sinalizada aos setores de mineração e petróleo, a Declaração “exorta os atores envolvidos no ciclo de vida de minerais e hidrocarbonetos” a se adaptarem à Agenda 2030 (uma lista de compromissos voluntários, conhecida também como 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU).

Ao citar um estímulo ao setor privado para que se adapte a uma agenda voluntária, a linguagem do texto dribla compromissos dos governos com o Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas.

Outra menção que abranda os compromissos ligados a atividades de alto impacto ambiental prevê adotar medidas urgentes para “conciliar atividades econômicas” com o combate à poluição do ar e contaminação de rios.

Por outro lado, o texto prevê a cooperação entre os países para combater o garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região, com a integração da inteligência e dos esforços policiais.

Com 112 parágrafos e 21 páginas, o texto prevê a criação de diversas redes e observatórios para colaboração científica, técnica e policial. A OTCA também passará a ter um painel científico da Amazônia, inspirado no IPCC, o painel do clima da ONU.

A organização também inicia um processo para criação de um fundo próprio, que dará mais independência para administração de recursos financeiros arrecadados para a região.
Sem citar quaisquer prazos para o atingimento dos objetivos ou sequer para o início dos processos, a Declaração de Belém prevê que uma reunião de ministros definirá o calendário das ações.

Segundo fontes ligadas às negociações, os representantes dos governos deveriam voltar a se reunir ainda este ano, próximo da COP28 do Clima, que acontece no final de novembro, em Dubai. Após a Cúpula em Belém, os chefes de Estado da OTCA só voltam a se encontrar em 2025, na Colômbia.

A jornalista viajou a convite da ONG Avaaz.